Entrevista

O amor de uma família "não tradicional brasileira"

Lorena Barros
Lorena Barros
Publicado em 30/09/2015 às 17:26
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A família de Carlos e Ívson é formada pelos dois e pelos três filhos: Carlos Eduardo, Ívson Júnior e Lucas / Foto: Arquivo Pessoal

A família de Carlos e Ívson é formada pelos dois e pelos três filhos: Carlos Eduardo, Ívson Júnior e Lucas Foto: Arquivo Pessoal

"É muito bom ser pai", falou, ao mesmo tempo, o bancário Carlos e o executivo de contas Ivson Rodrigues, que moram com os filhos Eduardo, de 8 anos; Ivson Junior, 12; e Lucas, 14. O casal está junto há 10 anos e realizou a adoção de Eduardo em 2012; essa foi a primeira adoção feita por um casal homoafetivo em Jaboatão. Um ano depois, adotaram os irmãos Lucas e Ivson, no mesmo abrigo onde seu primeiro filho morava: "Eles me disseram 'Você pode escolher um irmão' e eu disse: 'Lucas e Júnior'", brincou Eduardo, o mais extrovertido da família.

O casal realizou a primeira adoção de Jaboatão dos Guararapes

O casal realizou a primeira adoção de Jaboatão dos GuararapesFoto: Lorena Barros / NE10

A vida da família de Ivson e Carlos é simples e comum, como a de muitas na Região Metropolitana do Recife: de manhã, os dois mais novos vão à escola, localizada próximo ao residencial onde moram, também no bairro de Dom Hélder; à tarde, é a vez do filho mais velho ir às aulas. Com horários flexíveis, os pais conseguem administrar o trabalho e os cuidados com a família.

O fato de Ivson e Carlos formarem um casal homoafetivo pode parecer um problema aos olhos do Estatuto da Família, mas, sob a visão da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, responsável pelos trâmites legais de adoção dos três filhos, não foi relevante: "Ao chegar à Vara, me perguntaram se eu iria adotar a criança sozinho ou com outra pessoa. Falei que ia adotar com meu parceiro e eles adiantaram que não tinham problema nenhum com isso (...). Fui muito bem acolhido", lembrou Ivson, que se adiantou para buscar os papéis da adoção pouco depois de oficializar o relacionamento com Carlos, em 2011.

O processo de adoção foi rápido: dois meses depois de dar entrada no processo, o casal já estava na lista de cadastrados; menos de um mês depois, teve o primeiro contato com Eduardo, que passou alguns fins de semana na casa e, pouco depois, “entrou de vez” na famíla. Para os pais do casal, principalmente os de Carlos, foi difícil lidar com a ideia da adoção no começo: “A princípio minha mãe considerou o ato como uma decepção, mas, uma semana depois da chegada de Eduardo, ela já começou a cobrar a presença dele (...). Hoje eles [pais de Carlos] são participativos”. Para a família de Ívson, a princípio a situação também foi semelhante: “Cerca de 70% nos tratam com respeito e total aceitação, mas, para alguns, ainda há o preconceito velado”.

 Com boa relação com os vizinhos e uma grande parceria com a escola na qual os filhos estudam - classificam como “acolhedora, que nos conhece como família” -, o casal se mostra preocupado com o avanço do Estatuto da Família no ambiente “Acho que ele [o estatuto] vem tirando o direito de muitas famílias a serem formadas e quer tirar o direito de muitas famílias que já estão formadas quado dizem que família é o pai a mãe e seus descendentes. Não queremos tirar os direitos de ninguém ou obter privilégios sobre ninguém”. Enquanto o projeto de lei tramita na Câmara, a a família de Carlos e Ivson cresce como uma só: “Nós já eramos uma família. Com a chegada dos meninos, ela ficou ainda mais completa”.

Para a presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) e diretora de relações Institucionais do Gead Recife, a psicóloga Suzana Schettini, a implementação do estatuto “diminuiria as possibilidades de inserção familiar para muitas crianças e adolescentes”. O raciocínio, segundo ela, é que boa parte das famílias homoafetivas não tem distinção para adotar crianças mais velhas e de cor diferente da sua. Ela lembra que o maior interesse para as varas de adoção é saber se a criança a ser adotada será criada por pais com condições psicológicas e sociais para garantir o seu bem estar e que, na hora da aplicação dos papéis, não é necessário declarar se o casal é de membros homoafetivos ou não.

 Suzana lembrou, ainda, que não há adoção “feita por acaso”, e que os pais que buscam um filho através da adoção têm amor e disponibilidade: “A adoção é a construção familiar onde as crianças são amadas e aceitas, a implementação de um estatuto que mude isso é um constrangimento para toda a sociedade”. Para aqueles que classificam o ato de um casal homoafetivo adotar crianças como um “risco” para a sexualidade dos filhos, a psicóloga lembra: “Aa homossexualidade nao acontece por influência, não influencia, não contagia, não se ensina e não se aprende; é um estado de ser”. Fala que abraça o pensamento de Carlos que, questionado sobre as críticas, afirma que viver com o preconceito exposto nos dias de hoje é um desafio: “Ninguém escolhe sofrer; eu também não queria passar por isso”.

 

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