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Faça login ou cadastre-se“Eu tinha uns 11 anos. Era Carnaval, as ruas cheias. Eu era uma criança. Um homem passou a mão em mim e acariciou meu cabelo dizendo ‘fooofa’ mostrando a língua depois”.
“Já estava perto de dobrar a esquina da rua onde moro a noite. Um cara vinha na direção contrária a minha. Quando chegou perto disse ‘quer chupar meu pau?’ Pensei logo que seria estuprada porque a esquina da minha rua é bem deserta”.
“Eu tinha 10 anos, estava andando de bicicleta e um cara, que veio andando de bicicleta, passou do meu lado e apalpou minha bunda. Fui para casa chorando muito. Eu tinha me sentido invadida, mas não tinha entendido o que tinha acontecido”.
“Andava a pé até a academia quando tinha 15 anos. Como, com o tempo, comecei a ficar muito incomodada com as cantadas, olhares, motoqueiros buzinando, acabei decidindo colocar uma calça de moletom e uma camiseta por cima da roupa de academia”.
“Escolho minhas roupas todos os dias pensando nos lugares por onde vou andar, que ônibus vou pegar para evitar cantadas”.
Trecho de infográfico da pesquisa Chega de Fiu Fiu / Reprodução Think Olga
O site começou a publicar ilustrações e abriu espaço para as mulheres contarem suas experiências. O próximo passo foi montar um mapa interativo para que as mulheres apontem os locais onde sofreram assédio. “Uma menina me escreveu dizendo que viu que em um bar na rua dela tinha muita denúncia, então ela imprimiu e levou pro dono do bar”. A Chega de Fiu Fiu está preparando um documentário – atualmente aberto a doações no Catarse -, com meninas usando óculos com câmaras que gravam as abordagens que sofrem ao longo do dia. Recentemente, a campanha também publicou, em parceria com o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo (Nudem) uma cartilha explicando o que é assédio sexual, porque é um comportamento nocivo, como denunciar e como encaixá-lo na lei. A cartilha está sendo distribuída em São Paulo e pode ser compartilhada, reproduzida e impressa.
OLGA
Recentemente, o Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, anunciou os resultados da pesquisa “Violência Doméstica: o jovem está ligado?” que entrevistou 2000 jovens entre 16 e 24 anos. Do total, 68% mulheres declararam já ter levado uma cantada ofensiva; 96% reconhecem a existência de machismo no Brasil; 66% das mulheres afirmaram positivamente quando questionadas (com base em uma lista de agressões apresentadas) terem sofrido algum tipo de ataque; 55% dos homens admitiram ter xingado, empurrado, ameaçado, ter dado tapa, impedido de sair de casa, proibido de sair à noite, impedido o uso de determinada roupa, humilhado em público, obrigado a ter relações sexuais, entre outras agressões e 44% mulheres afirmaram terem sido tocadas ou assediadas por homens em festas.
ASSEDIO
Trecho de infográfico da pesquisa Chega de Fiu Fiu mostra que mulheres trocam de roupa com medo de assédio / Reprodução Think Olga
Daniela lembra um estudo da engenheira Haydee Svab para explicar como homens e mulheres se apropriam de forma diferente da cidade: “O mapa mental da cidade da mulher é menor do que o mapa mental do homem, o espaço público é extremamente condicionado ao gênero. Horários, regiões da cidade, meios de transporte, pontes. Mulheres têm medo de andar em pontes por causa das reiteradas histórias de estupro, por exemplo. Deixam de aceitar trabalhos porque teriam que andar a pé a noite ou pegar um ônibus em um lugar ermo”. Ela lembra que para o homem às vezes é difícil perceber a gravidade do assédio porque nunca acontece quando ele está junto. “Quando o homem é o agente da agressão, acha que está tudo bem. E quando está com sua companheira não vê acontecer porque um macho respeita o outro macho. Tem um discurso de que ‘o homem não pode se conter’, que além de tudo culpabiliza a mulher mas na minha percepção isso tem mais a ver com uma punição. ‘Você saiu do esperado, usou uma roupa mais curta, foi mais longe, circula sozinha, então a gente vai ter que te punir da forma mais tosca que a gente conhece’. Porque a rua é do homem. E se você está lá, seu corpo está à disposição. Se você usa seu peito pra vender cerveja ou desfilar no carnaval ok, porque todo mundo está lucrando. Se quiser deixar o peito de fora porque está calor, quer fazer um topless na praia ou simplesmente amamentar seu bebê, não. Porque teu corpo não te pertence. Ele pertence aos homens ou ao Estado, no caso do aborto, por exemplo”.
Sobre o PUA, acrescenta: “Se você com o mesmo discurso conquista todas, não tem um sujeito ali, não existe autonomia. É um ser destituído de individualidade, de desejo, um objeto. Uma pessoa pra dizer ‘não’ precisa ser um sujeito. Pode ser que essas pessoas nem estejam necessariamente querendo ser violentas, o problema é você estar andando na rua e ter sua intimidade violada constantemente pelo desejo do outro que acha que pode te abordar. É a afirmação dessa violência constante, dessa cultura do estupro que acua as mulheres todos os dias. E isso tem que parar”.
FORA DA LEI
Se o cara pega na mulher sem ela dar abertura isso já é uma violênciaA defensora pública Ana Rita Souza Prata explica que se a abordagem PUA invade o espaço da mulher na rua ou em uma casa noturna a ponto de incomodar a mulher encaixa-se no contexto de assédio e se houver contato físico pode caracterizar violência. “Se o cara pega na mulher sem ela dar abertura isso já é uma violência. ‘Ah, mas eu só flertei, só paquerei’. Se não há consentimento e abertura é uma violência” define. “E a gente sabe que por trás disso está uma forma de dominação. O espaço público é meu, é masculino e eu vou fazer aqui o que eu quiser. Os crimes sexuais não são só os de filme americano ou o maníaco do parque. As violências acontecem dentro dos relacionamentos e nas ruas todos os dias e por isso você treinar homens para esse tipo de abordagem é um absurdo. Com a cartilha a gente quer conscientizar de que o assédio é uma violência sexual e pode sim ser caracterizada como crime”, detalha a defensora.