Mulheres relatam violência trazida pelo desenvolvimento em Goiana e no Cabo

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Mulheres relatam violência trazida pelo desenvolvimento em Goiana e no Cabo

Amanda Miranda
Publicado em 26/10/2015 às 19:59
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Segundo moradores, prostituição vem aumentando nas estradasFoto: Amanda Miranda/NE10

Azevedo conta que as agressões passaram a acontecer em qualquer lugar, até nos mais movimentados, como a área central das cidades. Para conter isso, era necessário denunciar o problema e tentar empoderar as mulheres. "Em muitos casos esses episódios eram banalizados ou naturalizados naquela cultura em que os homens podem tudo. Têm que entender que as mulheres não estão à disposição dos homens", lembra Azevedo.

Depois disso, o Centro das Mulheres do Cabo, em parceria com o Instituto Fonte, inscreveu um projeto em um edital da União Europeia para começar a atuar em Goiana. "Esse processo ainda está iniciando lá. Se for aprovado, vamos poder levar a nossa experiência", afirma Azevedo. "Não é fácil que elas se identifiquem como grupo vulnerável."

O processo de análise do projeto, porém, é rigoroso e não tem previsão para ser concluído. "O Estado de Pernambuco está cometendo o mesmo erro de trazer o desenvolvimento sem dar assistência social", acusa a assessora de Direitos das Mulheres da Action Aid, Jéssica Barbosa. A especialista afirma que houve um período em que tentava falar com a Prefeitura de Goiana todos os dias para levar o Cidades Seguras para as Mulheres para a cidade, sempre sem sucesso. "Estamos tentando nos antecipar aos prejuízos que esse desenvolvimento pode trazer, mas não há uma valorização dessa questão, o que você percebe até pelo organograma da gestão", afirma Barbosa. Simone Maia acumula políticas públicas para as mulheres, para as crianças e para a juventude.

O Governo de Pernambuco, no entanto, não vê a situação assim. "Ao contrário do que houve no Cabo, o governo pactuou com a Fiat a contratação de pessoas da região", defende a diretora geral de Enfrentamento à Violência de Gênero em Pernambuco, Bianca Rocha. Cerca de 80% dos funcionários na inauguração, este ano, eram pernambucanos. A Fiat foi contactada, mas não respondeu. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico afirmou que cabe a ela a atração dos investimentos, mas as políticas públicas para as mulheres são de responsabilidade de outras pastas, em trabalho articulado.

QUEM TEM MEDO DO ESCURO?


O relatório da Action Aid referente ao ano de 2014 apontou que todas as mulheres entrevistadas no Cabo afirmaram que iluminação dá mais segurança. O problema é que a cidade foi a de situação mais precária na pesquisa: 72% das ruas são pouco iluminadas, enquanto a média nacional é de 39,5%. A ausência desse serviço público já obrigou 98% das mulheres a desviar o caminho, por exemplo. O mesmo acontece em Goiana.


Fonte: Action Aid

Moradora da Rua do Sindicato, às margens de um canavial, a dona de casa Severina Maria da Silva, 38, reclama que a baixa iluminação aumenta a violência. "Quando a cana cresce a gente nunca sabe quem está dentro da plantação", diz. A filha dela, a estudante Renata Maria da Silva, 14, tem medo de ser estuprada ao voltar da igreja todas as terças e quintas-feiras, por volta das 21h. "Fico esperando alguém para voltar comigo e minha mãe fica na porta", revela. Nos outros dias, às 20h, já está tudo trancado por medo de assaltos.

Mesmo nas áreas mais urbanas da cidade, como a Rua Djalma Raposo, também considerada escura, o medo impera. A mãe de Camila Mesquita teve que correr para não ser assaltada próximo à Escola Benigno Pessoa de Araújo quando voltava da faculdade, por volta das 21h30. "É muito escuro, o que facilita as abordagens." A própria estudante foi abordada por três homens que desceram de um carro ao lado dela na mesma rua; nesse caso, a sorte foi que um carro de polícia - raro de se ver, segundo moradores - passava pelo local. "Não posso ver um homem de bicicleta e já fico com medo", conta.

Os assaltos são o crime mais temido por todas as dez mulheres entrevistadas em Goiana. Para a dona de casa Josineide Targino, 51, isso é provocado pelo aumento no uso de drogas - problema também percebido no Cabo. "Até na sala de aula fazem isso. Mas, se aumentassem a iluminação, seria menos ruim."

No entorno de Suape, foi iniciada ação do "lanternaço", em que, dependendo da demanda de cada comunidade, as instituições vão com lanternas para lugares escuros e conversam sobre o medo. "Isso melhorou desde o início do projeto (Cidades Seguras para as Mulheres) em algumas áreas. Tem a Comunidade Onze Negras, que tem um acesso bem rural e era terrível ir da BR (101) até lá", conta Nivete Azevedo. 

O projeto surgiu no bairro do Passarinho, na Zona Norte do Recife, quando uma mulher estava em uma oficina e mostrou a luz que levava para poder chegar em casa com mais segurança. "Todas as mulheres já usaram algum artifício para desviar do medo, como evitar roupas curtas, usar os cabelos presos, não sentar na janela dos ônibus", lamenta a coordenadora nacional de Direitos das Mulheres da Action Aid, Ana Paula Ferreira. "São conjuntos de violência, não só a violência física. A mulher não pode exercer a sua cidadania plena, não pode estudar, se qualificar. Onde os serviços públicos são mais precários mulheres correm risco maior. Se a gente entende que as mulheres são as mais vulneráveis, se falarmos em cidades seguras para elas, automaticamente são seguras para todos. Mas não é um tema fácil, há um estigma de que é exagero."

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