Giramundo

Balança, mas não cai

Publicado em 17/11/2005 às 11:55
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O depoimento, ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, acalmou o mercado financeiro, que temia mudanças nas diretrizes do Governo, mas não minimizou a crise política. Palocci havia sido convidado para depor no próximo dia 22, mas, diante do bombardeio que vem sofrendo, tanto em função das denúncias de corrupção, quanto pelos questionamentos relativos aos rumos da economia, o Palácio do Planalto decidiu que era melhor que ele se adiantasse no esclarecimento dos fatos, livrando-se do fogo cruzado. A estratégia era fazer com que o ministro respondesse às acusações sobre desvio de dinheiro e participação no caixa 2 da campanha petista, evitando assim que fosse convocado para depor na CPI dos Bingos e na dos Correios. O tiro, porém, saiu pela culatra. O PFL e o PSDB decidiram que só fariam perguntas sobre a política econômica, deixando os assuntos relacionados à corrupção para a CPI.

Assim, numa sessão esvaziada, Palocci apresentou uma defesa tímida e, como já anunciou o senador Efraim Moraes (PFL-PB), presidente da CPI dos Bingos, ele será mesmo chamado a depor. Ao contrário do que pensava o presidente Lula, que tem feito de tudo para mantê-lo no cargo, ainda não foi desta vez que o ministro recompôs a sua imagem. De acordo com políticos da confiança de Lula, embora o presidente esteja disposto a oferecer todo respaldo a Palocci, a situação pode se tornar insustentável caso as denúncias contra ele sejam comprovadas, ou se o Governo se sinta forçado a flexibilizar a atual política econômica, considerando a proximidade das eleições.

O ministro é acusado pelo seu ex-assessor, Rogério Buratti, de receber um mensalão de R$ 50 mil da empresa de lixo Leão & Leão quando era prefeito de Ribeirão Preto. Os recursos eram transferidos para o caixa 2 do PT. Os serviços prestados pela empresa seriam superfaturados. Buratti também contou que, em troca da promessa de legalizar os bingos, o ministro teria recebido R$ 1 milhão para a campanha de Lula. O ex-assessor é ainda o responsável pela denúncia de que a campanha presidencial foi reforçada com R$ 3 milhões vindos de Cuba e entregues a Palocci. Por fim, o irmão do ministro, Adhemar, é apontado como pessoa encarregada de realizar tráfico de influência, oferecendo benefícios à seguradora Interbrazil, em troca de dinheiro para a campanha petista de Goiânia.

No que se refere à política econômica, Palocci acaba de ser alvo de críticas feitas através dos jornais pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil. Ela qualificou de rudimentar a proposta de ajuste fiscal de longo prazo, defendida não só pelo ministro da Fazenda, como pelo do Planejamento, Paulo Bernardo. Em sua opinião, o Brasil deveria reduzir os juros para sair do buraco em que se encontra. Segundo Dilma, manter os juros altos é o mesmo que "enxugar gelo", pois não leva a uma redução significativa da dívida pública. A chefe da Casa Civil não aceita que todo o dinheiro economizado seja usado para pagar juros, enquanto o Governo esquece a necessidade de promover investimentos para atender à crescente demanda da população, desconsiderando, inclusive, o fato de que 2006 será um ano eleitoral.

A posição de Dilma Rousseff foi imediatamente endossada pelo vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar. Desde o início do Governo que ele vem se colocando contra a alta dos juros, alegando que tal política econômica engessa o desenvolvimento do País. Em seguida, foi a vez da Central Única dos Trabalhadores (CUT) reivindicar mudanças na política econômica. O presidente da entidade, que apóia o Governo, João Felício, disse que insistirá na diminuição dos juros e do superávit primário e na desvalorização do câmbio. A luta da CUT é para elevar o salário mínimo para R$ 400 e corrigir em 14% a tabela do Imposto de Renda. Felício acredita que, se as propostas da entidade forem atendidas, Lula poderá ser reeleito.

Enfrentando um embate dentro do próprio Palácio do Planalto e sendo questionado por seus aliados, Palocci chegou a considerar a possibilidade de deixar o cargo. Mas foi convencido por Lula a ficar. O presidente distribuiu uma nota de apoio ao ministro da Fazenda e advertiu Dilma, afirmando que os assuntos do Governo não devem ser discutidos através dos jornais e lembrando que o momento de crise pelo qual passa o Brasil, exige unidade. Apesar disso, Lula já começou a pensar em alternativas para a substituição de Palocci. Na lista estão, o secretário-geral do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal; o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo; o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore; e o deputado Delfim Neto. Esses manteriam a mesma linha que Palocci.

Mas também são cogitados o nome do senador Aloísio Mercadante, que transita bem no PT e no Congresso Nacional, e do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Entretanto esses dois últimos só poderão ser convocados na hipótese de Lula mudar de posição em relação à política econômica, o que não parece provável. Lula está preocupado em manter o mercado sob controle e não correr o risco de fuga de capitais. Não é do interesse dos investidores que o País adote uma política desenvolvimentista, como deseja Dilma Rousseff e outros integrantes da base aliada.

Em sua ida ao Senado, Palocci disse tudo o que os tais investidores gostariam de ouvir. Tanto é assim que não houve qualquer turbulência no mercado financeiro. Enfatizou sua disposição de reduzir as despesas correntes do Governo por um longo período, chegando a falar em cerca de 10 anos. Numa tentativa de agradar a oposição ou, até mesmo porque talvez seja este o seu pensamento, o ministro elogiou os ex-presidentes Fernando Henrique, Itamar Franco e José Sarney, ressaltando que eles foram responsáveis por consideráveis avanços na economia. E, como não podia deixar de ser, elogiou Lula, por adotar medidas consideradas necessárias, mas que lhe trazem um alto custo político.

Referindo-se às acusações de envolvimento em corrupção, o ministro atribuiu tudo a interesses políticos contrários e garantiu que a campanha de Lula não recebeu um tostão de Cuba, de Angola ou das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Respondendo às críticas da chefe da Casa Civil, enfatizou que a política econômica adotada pelo Governo exige paciência, persistência e perseverança. Garantiu que não defende o arrocho fiscal, apenas o equilíbrio das contas públicas que, segundo ele, resultará, a longo prazo, na queda dos juros, na redução da dívida pública e no aumento dos investimentos.

Desta maneira, depois de mais uma tarde e uma noite de tensão, nada de novo aconteceu na República. A crise política persiste. Palocci continua sob suspeita de corrupção e será convocado a depor na CPI. As diretrizes econômicas permanecerão as mesmas. Os desentendimentos internos provavelmente terão desdobramentos. Agora é esperar as cenas do próximo capítulo.

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