Balanço da rede

Dono da bola, bom de bola

Publicado em 12/12/2005 às 14:51
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Nas peladas por esse Brasil afora virou regra dizer que o sujeito que compra a bola e a leva para o campo é sempre o pior dos boleiros e só joga porque é o dono da redondinha. E essa máxima se confirma em 99% dos casos. Mas eu vi uma exceção. Ainda garoto, entre os 14 e os 15 anos, comecei a freqüentar as peladas à beira-mar de Piedade, que considero uma das mais charmosas praias do Grande Recife. Triste, porém, que pertence a um município em que os gestores parecem ser os piores do País nos últimos 30 anos. Entra prefeito, sai prefeito, e a nossa prainha continua maltratada.

Havia várias áreas onde a bola rolava naquela praia. Mas a pelada tradicional, aos sábados, era realizada nas imediações da ponta da pedra, perto da antiga igrejinha, onde – segundo a lenda – o tubarão comeu a cabeça de um padre lá pelos anos 50.

Quando a maré estava baixa, juntavam-se boleiros dos bairros de Prazeres e Piedade para um equilibrado racha. Também não faltavam os peladeiros da favela Nova Divinéia, inaugurada no fim dos anos 70 naquele cinturão verde que dividia os dois bairros, entre o litoral e o subúrbio. Depois da disputa, um saboroso mergulho nas águas mornas e limpas (naquela época).

A extensão do campo era por nossa conta e risco. Às vezes, jogavam 15 de cada lado. E o dono da bola era Beto. Invariavelmente, ele aparecia com a redondinha embaixo do braço por volta das 8h30, jogava-a no círculo de peladeiros e formava os dois times com um dos componentes do grupo.

Não tenho receio de dizer que Beto era o melhor peladeiro que vi naquela área. Bola sempre colada ao pé, ziguezagueava, deslizando entre os rivais e dificilmente perdia o controle da pelota. Havia outros bons de bola naquele grupo, como Sica, meu colega na Escola no Alzira da Fonseca Breuel, em Cajueiro Seco. Foi o melhor zagueiro que vi naquele trecho. Vez por outra, passeando na praia, ainda o reencontro, com barriga protuberante. Dizem que ainda joga umas peladas, mas agora grita mais do que joga...

Os amigos diziam que Beto teria jogado numa equipe juvenil do Sport por um bom tempo. Mas desistiu da bola quando passou no vestibular para o curso de medicina. Nunca confirmei essa história com ele, naquela época eu ainda não tinha a curiosidade de repórter.

Os contratempos da vida e o trabalho acabaram me afastando por um bom tempo das peladas do sábado, em Piedade. Quando tentei voltar, desolei-me ao ver aquele espaço vazio. Fiquei sabendo que a Prefeitura de Jaboatão havia baixado determinação para que não houvesse peladas na beira da praia aos sábados e domingos. Depois, essa determinação foi estendida para todos os dias da semana.

Lamentável como no Brasil os gestores públicos são insensíveis. Bastava reservar um trecho da praia para os boleiros e deixar a maior parte para os banhistas. Todos seriam contemplados. Afinal, peladeiros também são eleitores e cidadãos.

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