Música

As Canções trazem Zé Rodrix de volta à estrada

Ne10
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Publicado em 26/08/2004 às 16:50
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Gilvandro Filho
Do JC OnLine

Em janeiro de 1982, morria no Rio de Janeiro Elis Regina, para muitos a maior cantora brasileira de todos os tempos e também uma das mais generosas.  Elis, ao longo de sua brilhante carreira, revelou muitos jovens compositores, tornando as suas obras clássicos da música nacional. Foi assim com Ivan Lins, Milton Nascimento, Tim Maia, Gonzaguinha, João Bosco e Aldir Blanc. Foi assim com Zé Rodrix, autor, junto com Tavito de “Casa no Campo”, um das marcas da carreira de Elis. No dia seguinte à morte da cantora e madrinha musical, Zé Rodrix abandonou os palcos e nunca mais fez uma apresentação-solo. Esse jejum terminou na semana passada, com o show As Canções. A nossa música agradeceu.

A volta de Zé Rodrix aos palcos, na verdade, já havia acontecido há alguns meses, com o ressurgimento do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, o show “De Novo na Estrada”. Mas, sozinho, fazendo o que gosta e sabe, que é conduzir um espetáculo de cabo a rabo, isto aconteceu mesmo na semana passada, no Supremo Musical, em São Paulo. Pilotando ao piano um azeitado quarteto formado por Airton Fernandes (baixo acústico), Lael  Medina (bateria) e Bráu Mendonça (violão e guitarra), ele deu uma geral em sua carreira, mostrou clássicos e novas canções, velhos e novos parceiros, além de um domínio total de palco que nunca perdeu.

No quesito ‘novos parceiros’, inclusive, fincou-se um dos pontos altos do show do Supremo. Com a mesma generosidade de Elis, Zé Rodrix é hoje curador de um grupo de jovens compositores da noite paulistana, que se reúnem no Clube Caiubi para tocar, cantar, bebericar e fazer música brasileira. Alguns desses jovens “Caiubistas” pontuaram o roteiro do novo show: Zé Edu Camargo, (“660th Huntingtown Blues”), Ricardo Soares (“Notícias de Mim”), Elder Braga (“Eu Só Queria Contar Meu Problema”).

Outros novos parceiros Zé Rodrix foi buscar em seu novo reduto, a M-Música, uma lista de discussão formada na Internet por músicos, cantores, compositores, produtores, jornalistas e amantes da música. Alguns desses novos amigos também se tornaram parceiros, lançados agora pelo compositor. É o caso do baiano-carioca João Bani (“Amor de Modem”), a poeta paranaense Etel Frota (“Onde os Anjos Não Ousam Pisar”) e o natalense Reynaldo Bessa, co-autor de “Por Amor”, a única das novas composições que não é inédita, pois está no CD acústico do grupo paulistano Ira.

Das músicas novas que compôs sozinho, Zé Rodrix apresenta “Jesus Numa Moto”, “Amanhã” e “As Canções”, que dá nome ao show. Junto com “Penúltima Canção da Estrada”, elas fecham o ciclo das inéditas. O roteiro é complementado com canções que já são história, como “Primeira Canção da Estrada” (Sá-Rodrix), “Quando Será”  e “Soy Latino Americano” (com Livi) e “Mestre Jonas” (com Guarabyra) e, evidentemente, “Casa no Campo”.

A surpresas da noite ficaram por conta do jingle “Chevrolet”, uma das criações mais famosas do publicitário Zé Rodrix, e da “canja” de Zezinho do Tambá, uma espécie de alter-ego do compositor. Incorporando o espírito do malandro carioca, Rodrix abre uma janela bem humorada, onde conversa com o público e canta duas músicas do “sambista”: “Chamego da Nega” e “Partido Alto do Papa do Samba”. Na verdade, uma explítica e impagável provocação aos defensores do chamado “samba de raiz”.

MPB, ROCK RURAL, BLUES, PUNK... - A carreira musical de Zé Rodrix – músico, cantor, compositor, escritor, pintor, publicitário, professor e jornalista - é um retrato do ecletismo e reflete a história de quem renunciou à mesmice, todo o tempo. Começou, ainda como José Rodrigues, no MomentoQuatro, que formou junto do Ricardo Vilas (mais tarde parceiro de Teca Calazans), David Tyggel e Maurício Guimarães (o Maurício Maestro, do Boca Livre). O grupo vocal acompanhou Edu Lobo e Marília Medalha em “Ponteio”, vencedora do III Festival da Record, em 1967. Em 70, ganharia o festival de Juiz de Fora com “Casa no Campo”, logo gravada e imortalizada por Elis Regina.

Na década de 70, Zé Rodrix fez parte de vários momentos importantes na música brasileira. Integrou o Som Imaginário, base instrumental do Clube da Esquina, movimento de músicos mineiros de onde saíram Milton Nascimento, Lô Borges, Vagner Tiso, Beto Guedes, Tavito, entre outros. Formou o lendário Sá, Rodrix & Guarabyra, lançando as bases do Rock Rural. E deu uma guinada radical tornando-se um dos pioneiros do punk no Brasil ao criar, com Tico Terpins, David Drew Zing e Prospero Albanese  a segunda versão do escrachado Joelho de Porco.

Em carreira solo, Zé Rodrix seguiu pela trilha do rock rural e do ritmo latino, emplacando um sucesso atrás do outro: “Soy Latino Americano”, “Hora Extra”, “Quando Será”... Veio a pausa a que se impôs depois da morte de Elis Regina e o retorno em 2001, com trio que ajudou a criar. O trabalho rendeu CD e DVD, além de uma participação na coletânea “Um barzinho e um violão”, onde Sá, Rodrix & Guarabyra relêem “Mother Nature Son”, de Lennon & McCartney. O trio continua trabalhando, mas seus integrantes também estão fazendo shows solos: Guarabyra foi o primeiro deles, e em breve estará gravando seu CD/DVD ao vivo.

“As Canções” é o nome da primeira música que compõs após 20 anos de silêncio absoluto. É também o título do show que deve devolver Zé Rodrix ao show business. Pelo que apresentou no Supremo, uma carreira que está sendo retomada para o bem da música brasileira. E que venham várias outras canções da estrada.

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