Ressignificando a Liderança
A indústria da liderança vende uma narrativa de que qualquer um pode se tornar um líder. Basta seguir a fórmula certa. Mas será que está correto?
Com tanto treinamento para liderança, por que ainda temos tantos líderes ruins?
Treinamentos de liderança se multiplicam. MBAs, workshops, coaching executivo, entre outras alternativas.
Ainda assim, líderes ruins proliferam nas organizações.
Por quê? Talvez porque a liderança não seja uma habilidade genérica, ensinável em módulos padronizados.
Talvez esses programas atraiam justamente quem não deveria liderar.
A indústria da liderança vende uma narrativa de que qualquer um pode se tornar um líder inspirador. Basta seguir a fórmula certa.
Em geral, ignora-se o papel do contexto, da experiência, do acaso.
Como consequência temos líderes que sabem repetir jargões, mas falham em compreender as complexidades humanas. Enquanto isso, potenciais líderes genuínos são deixados de lado por não se encaixarem no molde.
Críticas às Narrativas Tradicionais
Todo mundo quer falar sobre liderança. Não é preciso pesquisar muito para encontrar inúmeras referências sobre o assunto.
As narrativas tradicionais sobre liderança se baseiam em três premissas principais, todas elas problemáticas:
- A liderança é um dom: Essa visão romantizada, quase mística, afirma que líderes nascem com habilidades inatas, como se fossem escolhidos por uma força superior. Essa crença ignora o fato de que a liderança se desenvolve por meio de aprendizado, experiência e, principalmente, por meio das estruturas sociais que moldam as oportunidades e os desafios que enfrentamos.
- A situação faz o líder: Essa narrativa, conhecida como o "Princípio Fuhrer", argumenta que líderes são produtos das circunstâncias. Embora o contexto social e histórico seja fundamental para o desenvolvimento da liderança, reduzir a liderança a um mero produto das circunstâncias ignora a agência individual e a capacidade das pessoas de transcender suas condições e lutar por mudanças.
- A liderança é um atributo do indivíduo: Essa narrativa, talvez a mais difundida, concentra-se nas características individuais dos líderes, como carisma, inteligência emocional e capacidade de comunicação. Essa visão individualista ignora o papel das estruturas sociais na formação de líderes e na distribuição de poder.
O conceito de liderança, como o conhecemos hoje, está impregnado de narrativas tradicionais. Talvez seja a hora de desmistificar essas narrativas e ressignificar a liderança para que ela se torne um instrumento de empoderamento e transformação social.
O que faz um(a) líder?
De acordo com o artigo da Forbes, publicado em 2016 por Brent Gleeson:
- Líderes têm fé nas suas crenças
- Fazem decisões difíceis
- Ganham o respeito do time
- Conhecem o time
- Sabem que as pessoas são a chave do sucesso
- Articulam uma visão clara
- Estimulam pessoas a serem a melhor versão delas mesmas
- Trabalham para uma causa maior
- Foca em ajudar o time
- Não lidera pela força
Já para Daniel Goleman, especialmente conhecido por ter popularizado o conceito de inteligência emocional, no seu famoso livro do chamado “O que faz um Líder?”, um bom líder é alguém que geralmente possui um alto quociente emocional. E isso só é possível porque este tipo de líder possui:
- Autoconsciência: Ter autoconsciência significa compreender os próprios sentimentos, emoções e efeitos sobre os outros.
- Autorregulação: Representa nossa capacidade de lidar e controlar impulsos e humores.
- Motivação: A motivação, neste caso, está ligada à realização não impulsionada por recompensas externas, como dinheiro ou status.
- Empatia: Um líder que levará cuidadosamente em consideração os sentimentos dos funcionários para tomar qualquer decisão.
- Habilidade social: A capacidade de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e construir redes funcionais.
Os pontos levantados pelo Goleman reforçam a narrativa de que líderes são seres humanos que devem ser seguidos como um exemplo.
O Mito do Líder Herói
A idealização do líder como herói é um subproduto dessas narrativas tradicionais. A figura do líder heroico, muitas vezes retratada como um indivíduo extraordinário com poderes quase mágicos, serve para reforçar a ideia de que a liderança é algo inato e reservado a poucos escolhidos.
Essa mitologia é prejudicial por várias razões:
- Perpetua a concentração de poder: Ao colocar o líder em um pedestal, a narrativa do herói reforça a ideia de que o poder deve estar concentrado nas mãos de poucos.
- Alimenta a meritocracia: A narrativa do herói sugere que o sucesso é alcançado apenas por meio de talento e esforço individual, ignorando as desigualdades que impedem o acesso de muitos indivíduos a oportunidades e recursos.
- Justifica práticas opressivas: A crença em líderes heróicos pode levar à aceitação passiva de líderes tóxicos e autoritários.
A Liderança como Atributo das Estruturas Sociais
Uma redefinição da liderança exige que desloquemos o foco do indivíduo para as estruturas sociais. Em vez de buscar heróis, precisamos construir ambientes que promovam a distribuição de poder, a colaboração e a autonomia de todos os membros da organização ou comunidade.
A liderança, nesse contexto, se torna um atributo emergente das interações entre indivíduos e estruturas. Ou seja, a liderança se manifesta quando os ambientes criam espaços para que os indivíduos possam desenvolver autonomia, tomar decisões e contribuir para o bem comum.
Talvez o papel da liderança (líder formal) seja criar caminhos para que as pessoas possam desenvolver autonomia para tomar decisões por elas mesmas.
A Liderança como um Atributo que Pode Ser Invocado por Qualquer Um
Se a liderança é um atributo das estruturas sociais, então ela não está restrita a um grupo seleto de indivíduos. Qualquer pessoa pode exercer a liderança em um determinado momento, dependendo do contexto e das oportunidades disponíveis.
Essa visão democratiza a liderança e a torna acessível a todos. Em vez de esperar por heróis, podemos empoderar os indivíduos para que eles se tornem protagonistas de suas próprias histórias e agentes de mudança em suas comunidades e organizações.
Para que essa mudança aconteça, precisamos:
- Desconstruir as narrativas tradicionais sobre liderança e questionar a mitologia do líder herói.
- Criar estruturas organizacionais que promovam a autonomia, a transparência e a responsividade.
- Incentivar a participação cidadã em todos os níveis da organização, desde a tomada de decisões até a implementação de projetos.
- Desenvolver uma cultura de colaboração e confiança, onde todos se sintam à vontade para compartilhar suas ideias e contribuir para o sucesso coletivo.
Ao redefinir a liderança como um atributo das estruturas sociais e como algo que pode ser exercido por qualquer um, podemos construir um futuro mais justo, equitativo e sustentável. Um futuro onde o poder é distribuído, a colaboração é valorizada e todos têm a oportunidade de contribuir para o bem comum.