Inovação

SXSW 2024: novidades que devem mudar nossas vidas, num futuro próximo

Evento de inovação e cultura realizado em Austin, em março, discutiu novidades em vários campos do conhecimento. Inteligência artificial, computação quântica, energias renováveis e saúde mental foram alguns dos temas

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Maria Luiza Borges

Publicado em 18/03/2024 às 0:25 | Atualizado em 03/05/2024 às 16:58
Noticia

Inteligência artificial, edição genética, discussões sobre saúde mental, computação quântica, dispositivos de realidade estendida e muita coisa que deve, nos próximos anos, mudar radicalmente nossas vidas foram alguns dos temas discutidos entre 8 e 16 de março em Austin, no Texas.

Cidade que se orgulha de ser esquisita, Austin recebeu mais uma South by southWest (SXSW), evento que reúne conferência de inovação, festival de cinema e festival de musica ao mesmo tempo e atrai gurus de tecnologia, empresários e pensadores de várias partes do mundo.

Entre as centenas de milhares de participantes (há eventos pagos e também muita coisa free), calcula-se que pelo menos 2.500 eram brasileiros.

IA para todo lado 

Alguns temas foram inescapáveis - inteligência artificial talvez o mais onipresente deles. Embora houvesse uma trilha específica sobre IA, ela sempre aparecia em várias outras - eram 25 ao todo. Mas havia uma diferença entre a maneira como a IA foi abordada este ano e como ela era falada na SXSW de 2023.

No ano passado, fazia poucos meses que o ChatGPT se tornara acessível a milhões de pessoas em questão de semanas, obrigando negócios do mundo inteiro a começarem a investir seriamente em ferramentas de IA.

Maria Luiza Borges

Sandy Carter: pare de resistir. Você precisa pensar IA first - Maria Luiza Borges

Em 2024, se não havia uma mega novidade nesse ramo, como em 2023, foi o tom era de alerta para algo inescapável.

Enquanto a guru de tecnologia Sandy Carter pregava "Pare de resistir, você precisa pensar IA first" enfatizando a necessidade de todos abraçarem essa tecnologia, John Maeda, VP que cuida da área de IA da Microsoft (maior investidora da empresa dona do ChatGPT, a OpenAI), dizia que que essa corrida é uma maratona, não uma sprint.

Já Amy Webb, talvez a maior tech-celebrity da SXSW, falava do imenso poder transformador que terá a combinação da IA com outras tecnologias que estão em fase de aceleração, como a biotecnologia e a internet das coisas. Confira a palestra dela no vídeo abaixo, já traduzido para o português.

Todos, sem exceção, alertaram para a necessidade de algum tipo de regulação que impeça os vários tipos de IA em desenvolvimento de reproduzirem padrões tendenciosos.

Momento exponencial

Sandy Carter detalhou várias áreas que estão sofrendo disrupção abrupta e que a integração da IA com a computação quântica, com a internet das coisas e com a tecnologia de blockchain vai provocar avanços exponenciais.

O aprendizado, por exemplo, cada vez é mais multimodal. Gêmeos digitais (clones que permitem operações remotas, quase como avatares) já são realidade. A economia tokenizada (cadeias de autenticação do blockchain devem aos poucos substituir as cerficaçoes tradicionais que conhecemos). E a convergência técnica já é realidade.

Alertas sobre IA

Mas com a IA surgem novos problemas, alerta Carter. A questão da confiança é uma delas. Já são conhecidas as alucinações das IAs que muitas vezes, quando não sabem uma resposta, inventam. E inventam tão bem que parece verdade.

Escassez de dados, o futuro do trabalho e a questão da reprodução de preconceitos sao outros problemas urgentes que essa tecnologia exponencial embute.

Maria Luiza Borges/Colaboração

John Maeda, Vice Presidente de Design e Inteligência Artificial da Microsoft, na SXSW 2024 - Maria Luiza Borges/Colaboração

John Maeda, com sua voz tranquila, mostrou como para muitos de nós já não faz muita diferença se algo foi ou não produzido por IA. "Quando recebemos uma mensagem de texto, a gente faz questão de saber se ela foi corrigida pelo corretor que tem uma IA embarcada?", questionou.

Ele fez vários alertas sobre os cuidados que a popularização dessas ferramentas requerem. Esses sistemas vão se tornar cada vez mais simples de usar, com interfaces mais intuitivas, por comando de voz, sem barreiras para usuários comuns.

Por isso, é fundamental que sejam monitorados de agora, para que não propaguem padrões de preconceito e injustiça social.

Computação quântica

Há alguns anos, falar de computação quântica parecia coisa de cientista maluco. Scott Aaronson, pesquisador da Universidade do Texas e apresentador de um dos painéis sobre o tema na SXSW, diz que uma das missões de sua vida é dizer que a computação quântica é algo possível e que em breve terá muitas aplicações práticas.

Maria Luiza Borges/Cortesia

Scott Aaronson, da Universidade do Texas, popularizando a computação quântica - Maria Luiza Borges/Cortesia

Sua palestra tentou explicar um tema altamente complexo. Não posso dizer que entendi... Mas com a aula Aaronson percebi que, uma vez que tenhamos os computadores quânticos funcionando, uma nova fronteira estará superada. E expectativa não é que o computador quântico substitua os computadores atuais, mas que sirvam para tarefas e cálculos altamente sofisticados e complementares.

A computação quântica usa a teoria da mecânica quântica para desenvolver equipamentos que utilizam partículas menores que os átomos como unidades básicas da informação. Em vez de bits, seriam os qubits.

Essa nova unidade de processamento tem capacidade de processar informação de forma paralela e resolver problemas de maneira exponencialmente mais rápida que os computadores que utilizamos hoje.

Ainda há vários desafios a serem enfrentados para que um computador quântico funcione em condições normais, mas gigantes como IBM, Google, Microsoft e Intel estão desenvolvendo máquinas desse tipo.

O Google apresentou um painel na SXSW onde mostrou como está o estágio atual das suas pesquisas. Além de abordar questões sobre criptografia e correções de falhas, Erik Lucero, engenheiro líder da área de computação quântica, falou do potencial dessa tecnologia em áreas como o desenvolvimento de novos medicamentos e descoberta de novos materiais.

Para tech-gurus como Sandy Carter, a integração da inteligência artificial com a computação quântica vai proporcionar um dos maiores avanços que a humanidade já experimentou, pois a IA nos dias atuais enfrenta como um dos entraves ao seu desenvolvimento a escassez de velocidade de processamento.

Realidade estendida

Sandy Carter destacou que o recém-lançado dispositivo Apple Vision Pro - que custa nos EUA US$ 4.600 - aponta para uma grande evolução na área de realidade estendida - termo que engloba realidade virtual, realidade aumentada e realidade mista.

O dispositivo tem duas telas de altíssima definição (mais que uma TV 4K para cada olho) e também um sistema de áudio avançado que permite uma imersão total.

É um sistema de entretenimento que pode permitir, por exemplo, participar de um concerto a distância ou experimentar realisticamente ambientes totalmente criados.

Energia e sustentabilidade

O relatório de tendências do MIT Technology Review apresentou pelo menos três grandes avanços na área de energia. Uma delas é o uso de painéis fotovoltaicos de alta eficiência, uma alternativa para a geração de energia limpa. O MIT registrou os progressos feitos pela empresa britânica Oxford PV, que conseguiu otimizar o aproveitamento da energia solar em placas com o componente perovskita.

Outro avanço que promete reduzir as emissões de carbono são as bombas de calor, que estão se tornando cada vez mais populares nos EUA.

São dispositivos que usam as leis da termodinâmica para transferir calor ou resfriamento de forma mais eficiente, reduzindo a emissão de carbono. Nos EUA, estima-se que as vendas de bombas de calor já sejam maiores que as de fornos a gás.

Enquanto isso, pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, conseguiram desenvolver uma bomba de calor capaz de reduzir as emissões de carbono ao produzir biogás. Esse dispositivo pode criar comunidades independentes na produção energética.

Energia geotérmica também recebeu atenção. Existem desafios a serem enfrentados, como alcançar perfurações mais eficientes para liberar mais calor vindo da Terra. Mas, uma vez isso seja conseguido, a energia vinda dessa fonte seria limpa e renovável.

O calor geotérmico pode ser utilizado para aquecimento, resfriamento ou para gerar eletricidade

Saúde e edição de genes

A trilha de saúde discutiu várias aplicações práticas de tecnologias que estão revolucionando o setor, como o CRISPR, que permite a edição de genética.

CRISPR, da sigla que em inglês significa Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas), é uma região do genoma das bactérias caracterizada pela presença de sequências de DNA curtas e repetidas.

Basicamente, o CRISPR permite uma edição do código genético e tem o potencial de curar doenças genéticas antes consideradas incuráveis. Já foi testado no tratamento de talassemia e anemia falciforme e existe grande potencial para tratar vários tipos de câncer, distrofia muscular, autismo, progeria, fibrose cística, síndrome de Angelman e até a aids.

Exames de retina e wearables

Outro avanço abordado na trilha de saúde foi o xame de retina que é capaz de detectar predisposição à diabetes, pressão alta ou aneurisma. Pesquisas também indicam que é possível detectar precocemente males como Alzheimer, Parkinson e ELA (esclerose lateral amiotrófica).

Outra grande tendência é o crescimento do uso dos chamados equipamentos "wearables" (sensores instalados pelo corpo - podem ser relógios, óculos, colares, pins). Esses sensores permitem que se monitorem em tempo real várias informações sobre a saúde do paciente - de uma queda ao pulso ou batimento cardíaco. Isso eleva o home care a um novo patamar.

Maria Luiza Borges

Vin Gupta: Dispositivos de monitoramento wearables, como relógios e colares, vão aumentar a expectativa de vida - Maria Luiza Borges

Numa palestra do Dr. Vin Gupta, ele defendeu que a popularização dos wearables tem o potencial de ampliar a expectativa de vida das pessoas, pois elas passam a ter a sua saúde sendo monitorada a distância e qualquer eventual alteração vai acionar toda a rede de tratamento disponível. "Dá mais confiabilidade ao diagnóstico e acelera o socorro em caso de acidentes ou intercorrências", diz.

O combate à obesidade, com o uso de medicamentos originalmente desenvolvidos para pessoas com diabetes, é outra tendência mundial que deve trazer consequência no controle de várias doenças associadas, também aumentando a expectativa de vida dos pacientes.

Na Exibição de Indústrias Criativas - um evento dentro do evento que ocupa todo o térreo do Centro de Convenções de Austin por 4 dias - um dos robôs humanoides mais simpáticos era Mikaki, que está em teste em três hospitais franceses.

Andy Wenstrand/SXSW.com

Robô humanoide pensado para atuar em ambientes hospitalares foi apresentado na SXSW 2024 - Andy Wenstrand/SXSW.com

Ele foi pensado para funcionar em ambiente hospitalar. É pequeno e delicado, um pouco mais alto que uma mesinha. Foi programado para não capturar dados das pessoas com quem interage, para que esteja em conformidade com a rigorosa legislação europeia de proteção de dados. Mas pode eficientemente monitorar pacientes e dispensar medicamentos.

Saúde mental

Na área de saúde, a saúde mental recebeu uma atenção especial. Seja entre palestrantes, seja entre celebridades que falaram abertamente sobre seus conflitos e tragédias pessoais.

Um dos painéis da SXSW reuniu duas especialistas no tema, Brené Brown e Esther Perel. A primeira estuda vulnerabilidade. A segunda, é terapeuta e fala sobre relacionamentos. Elas gravaram ao vivo um episódio do podcast "Unlocking Us".

Esther lembrou da palestra que proferiu na SXSW de 2023, quando falou que a hiperconectividade poderia disfarçar uma forma moderna de solidão. Ela cunhou o termo "Intimidade artificial" para se referir a essas experiências que não são relacionamentos de verdade. E defendeu que a qualidade de vida está associada à qualidade dos relacionamentos.

Perel comentou como o smartphone se tornou um escudo de vulnerabilidade, com as pessoas mais preocupadas em capturar momentos do que vivê-los. As duas pesquisadoras concordam que o uso excessivo dos celulares pode contribuir para a ansiedade e outras condições de saúde mental, além de que transmitem para nosso interlocutor presencial a informação de que ele não é tão importante.

Selena Gomez falou de ansiedade

Jakayla Canaday/Reprodução SXSW.com

Selena Gomes participou de um painel na SXSW 2024 em que discutiu saúde mental - Jakayla Canaday/Reprodução SXSW.com

Celebridades não se furtaram de discutir suas vulnerabilidades nos palcos da SXSW. Selena Gomez foi uma delas, que apresentou ao lado de Mandy Teefey (mãe de Selena), o atleta Solomon Thomas, a psicóloga Corey Yeager e a psicoterapeuta Jessica Stern a sessão "Mindfulness Over Perfection: Getting Real on Mental Health".

A atriz, que tem mais de 420 milhões de seguidores no Instagram, tem um projeto chamado Wondermind, juntamente com sua mãe. Selena falou como foi importante assumir que tinha crises de ansiedade.

“Outras pessoas vieram dividir comigo seus problemas, encontraram apoio”, lembrou. Solomon relatou que também viveu problema parecido. “Minha vida parecia perfeita no papel: sucesso, dinheiro, mas por dentro eu estava morrendo. Minha mãe me incentivou a dividir meus sentimentos e logo muitas pessoas me agradeceram, dizendo que lutavam com pensamentos parecidos e que minha história tinha lhes dado força. Se você é humano, você é vulnerável”.

No painel, os especialistas falaram sobre técnicas para enfrentar emoções difíceis e lidar com a autocrítica negativa: Anotar os próprios pensamentos, meditação, atenção ao sono, exercício, desconectar digitalmente, alimentação saudável e a busca por lugares seguros.

Ashley Judd e o alerta sobre o tema suicício

Reprodução X

Ashley Judd falou sobre seu drama pessoal numa sessão da SXSW que fez alertas sobre saúde mental - Reprodução X

Outra celebridade expôs uma questão ainda mais difícil nos palcos de Austin. Atriz Ashley Judd falou sobre a morte da mãe, a cantora country Naomi Judd. Ela encontrou a mãe ainda agonizando, após ter atirado em si mesma. Judd chegou a ser interrogada como suspeita e criticou muito a polícia pela abordagem que teve no caso.

Judd defendeu que o tema suicídio precisa ser mais discutido durante o painel "Prevenindo Suicido através de Reportagens e Histórias contadas com Segurança", com a participação de Dave Richards (Audacy media company); Rebecca Ruiz (Mashable); e a Dra. Christine Yu Moutier (American Foundation for Suicide Prevention).

"Praticamente toda família já foi atingida por doenças mentais ou suicídios", disse a doutora Moutier. Ela explica que não existem todas as respostas, mas escutar e convidar para uma conversa é fundamental para se abordar essa questão.

Os especialistas defendem que a mídia e a industria do entretenimento deveriam mudar a maneira que tratam o tema. "Não se diz que alguém comete câncer. Então não esta certo dizer que alguém tenta ou comete suicídio", opina Moutier. Trata-se de uma doença, devia ser tratada como tal, diz. 

Ela forneceu um exemplo concreto de como a forma como a mídia trata a questão faz diferença. Após a morte de Robin Williams e Marilyn Monroe, houve aumento da taxa de suicídio. Mas após a morte de Kurt Cobain, aconteceu exatamente o oposto.

Na opinião dela isso se deve à forma como a viúva, Courtney Love, tratou o caso, falando da perda e sem glorificação. A imprensa, por sua vez, falou do caso como uma tragédia e divulgou largamente o telefone de uma linha de ajuda. 

Nota da redação: No Brasil, há uma linha do Centro de Valorização da Vida que atende 24 horas pessoas que estejam precisando falar sobre o assunto. O telefone é 188. Leia o artigo que escrevi sobre a cobertura ao tema suicídio aqui.

Vídeos

No canal da SXSW no Youtube há vários vídeos disponíveis sobre o evento. Confira aqui a playlist.

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