A primeira versão da Web Summit fora da Europa, que ocorreu de 1º a 4 de maio no Rio, teve números superlativos antes mesmo de começar. Ingressos esgotados, mais de 91 países representados, quase mil startups que atuam nas mais diversas áreas - de soluções financeiras a educação.
Enquanto convidados estrelados se intercalavam nos palcos do evento (as sessões do principal deles estão disponíveis no Youtube), os pavilhões 3 e 4 do Riocentro eram o lugar de encontros entre startups em todos os estágios do desenvolvimento.
Percorrer as bancadas das Alpha (starups em estágio inicial), Beta (que estão um pouco mais maduras) e as da área Growth (que já estão em franca expansão) é como entrar no celeiro de soluções que buscam resolver dores cotidianas.
São produtos que tentam conter fraudes financeiras em transferencia de recursos e até no brasileiríssimo Pix; melhorar a mobilidade, serviços para o agronegíco, transportes, segurança, produtos sustentáveis, processos jurídicos e até um sistema que se propõe a organizar a vida de quem perde um ente querido.
Os números oficiais do Web Summit Rio (o primeiro de pelo menos três eventos anuais já acertados com a prefeitura local) são gigantes. Foram 21.367 participantes; 974 startups e 596 investidores. A cúpula é uma “filial” do maior evento de inovação do mundo, que tradicionalmente ocorre em Lisboa.
Longe de ter sido perfeita - os problemas do som em vários palcos, as filas intermináveis para se conseguir um carro por aplicativo ou um simples sanduíche foram alguns pontos negativos - a Web Summit no entanto coloca o Brasil num circuito internacional de eventos focados em tecnologia.
E demanda não falta. Menos de dois meses antes da Web Summit milhares de brasileiros tinham invadido Austin para participar da South by Southwest. Era a maior delegação estrangeira no mais tradicional evento de arte e inovação do mundo.
Como bem resumiu Mirella Martins na Coluna Social1 do JC, diferentemente do SXSW, um evento que busca mapear tendências e traz reflexões sociais poderosas, a Web Summit é um lugar de negócios, voltado para criar conexões ou, na palavra da moda, dar match entre criadores e investidores.
Tanto que as palestras são curtinhas - e é uma tremenda covardia ouvir gente como Neil Patel, Gail Haimman e Brittany Kaiser em míseros 20 minutos. Serve ao menos de insight, ou para descobrir coisas de que se quer saber mais. É uma correria grande o que acontece nos palcos. Que disputam a atenção com as centenas de startups e grandes empresas presentes.
Se na SXSW inteligência aritificial aparecia entre os principais temas, após a explosão do ChatGPT, na Web Summit Rio as várias variantes dessa área do conhecimento apareciam embarcadas em projetos de praticamente todas as startups presentes.
IA generativa, que usa grande modelos de linguagem, como o ChatGPT, estava em projetos de vários estágios, assim como a visão computacional.
Sobre ChatGPT e outros produtos que usam a ainda assombrosa inteligência artificial generativa (aquela que parece conversar com a gente como se tivesse um ser humano do outro lado do chat) falou-se muito da necessidade de regulamentação.
Quem serão os proprietários de uma música ou um desenho produzidos pela IA? Quem fez a pergunta à IA? O desenvolvedor do código? A milhares de pessoas que treinaram aquela IA? Ou o dono da empresa que fez o código.
O fato é que atualmente só grandes empresas têm dinheiro para treinar os modelos de inteligência artificial, que já estão embarcados em mecanismos de busca na internet. O que isso vai significar para o direito autoral nos próximos anos é uma página aberta.
Essencialmente uma IA não é boa ou ruim, preconceituosa ou acolhedora. Aquela máquina vai ser moldada pelos seres humanos que a treinarem. Regular e impor parâmetros parece ser algo urgente.
A discussão sobre o futuro do trabalho, muito presente na SXSW, também parece superada. O que se fala é que inteligência artificial não vai substituir seu emprego. Mas você pode ser substituído por quem saiba usar bem a inteligência artificial para trabalhar melhor e mais rápido.
Por isso, comece hoje a "brincar" com as ferramentas disponíveis de forma gratuita. Se nao começou ainda a fazer perguntas ao ChatGPT ou pedir um desenho ao MidJourne, faça isso hoje ainda.
Como bem citou Mirella Martins, colega que estava comigo tanto na jornada da SXSW quanto na Web Summit de 2023: "Não é para pensar quando devo começar a utilizar a automação generativa? É para iniciar hoje com foco em sempre tentar humanizar os inputs com sentimentos e humor."
Um bom exemplo vem na área de call center. Segundo Sara Al-Hussein, em até 18 meses o serviço de atendimento ao consumidor deve estar 60% automatizado no mundo. Esse e todo o tipo de atividade repetitiva e manual, diz a executiva. Vai sair na frente que souber prestar o serviço de forma mais eficiente, rápida e humana. A falta de dado é a maior reclamação nesse setor. Prover essa lacuna é a certeza do sucesso e a demanda é crescente.
Outra dica: seja autêntico. O mundo está cheio de cópias. Com tantas recomendações, tornar-se inesquecível pode ser seu maior patrimônio. Agora saiba que tudo na vida tem um preço.
Sobre dados, o mais valioso dos bens da atualidade, dois alertas importantes de duas vozes chamadas com razão de "whistleblowers": Chelsea Manning (Wikileaks) e Brittany Kaiser (Cambridge Analytica).
Manning, que está à frente de uma empresa especializada em segurança de dados, falou sobre cyber security e inteligência artificial. Ela, que antes de sua redesignação se chamava Bradley Manning e era militar nos Estados Unidos, foi a pessoa que desencadeou o escândalo que ficou conhecido como Wikileaks.
Manning foi condenada pela corte marcial e indultada pelo presidente Barack Obama. O Wikileaks mostrou que o governo americano espionava até governantes de outros países - Dilma Rousseff, então presidente do Brasil, e Angela Merkel, ex-chanceler alemã, estavam entre eles.
Manning diz que a inteligência artificial pode ser usada tanto para invadir a privacidade das pessoas quanto para proteger os dados dos usuários. “Tudo vai depender de como nós, especialistas em tecnologia, vamos treinar os algoritmos, entender suas limitações e refletir sobre o que podemos fazer do ponto de vista ético”.
Outra embaixadora da privacidade dos dados foi a delatora do escândalo da Cambridge Analytica, Brittany Kaiser. "Dados precisam ser tratados como bens. Você precisa receber para que sejam usados. Não necessariamente em dinheiro, mas em serviços, cupons...", sugere.
Kaiser acredita que somente quando os dados forem tratados como propriedades como qualquer outra as empresas responsáveis por vazamentos e mau uso poderão ser corretamente punidas.
Ativista de direitos civis, Britanny Kaiser montou com sua irmã Natalie a Own Your Data, iniciativa que corre o mundo pregando o conhecimento do poder e o direito à propriedade dos dados. Assunto para governo, grandes companhias mas, principalmente, que precisa de uma tomada de consciência de cada indivíduo.
Ainda na área de dados, Jeff Shiner foi ao WebSummit lançar a ideia do pass key no lugar das tradicionais senhas. Que todos esquecem ou acabam repetindo para nao esquecer, criando um ambiente totalmente inseguro do ponto de vista cibernético.
O pass key seria uma espécie de identificação via aparelho conjugado com reconhecimento facial. Isso evitaria a exposição de senhas comuns e golpes na internet – segundo ele.
Na área de marketing digital, foi um privilégio ouvir ao vivo Neil Patel. Em uma das sessões de que participou, ele defendeu que as empresas devem ter uma estratégia de divulgação omnichannel: redes sociais, mídia tradicional, podcast, website, newsletter... tudo junto e complementar.
Patel também falou de TikTok, que já é o buscador principal da geração Z. Se essas pessoas já não perguntam ao Google, é preciso pensar em SEO para o TikTok. Otimizar seu conteúdo com Tags e assuntos em alta para que ele performe.
Outro grande nome do marketing digital, Gail Heimann falou da era da reciprocidade. "O que sua marca faz retorna para ela. É um caminho e uma obrigação recíproca", diz.
Heimann defende que precisamos estar na conversa com a comunidade, inseridos na sua cultura. Isso gera valor, impulsiona as marcas ou organizações e as pessoas que trabalham para elas. É o que ela chama de "age of earned", a era do ganho.
Também na área de publicidade, Graham McDonnell deu uma aula sobre o que não se pode fazer ao produzir conteúdo para marcas.
Quando se pensa que apenas 0,1% do US$ 900 bilhões que são gastos em anúncios nas plataformas digitais realmente vai funcionar, não dá para ignorar lições simples como esquecer de contar uma história e fazer uma marcar bancar "herói", ignorando são os seus propósitos e conexões.
O design Alain Sylvan defendeu que criatividade não basta. Marcas e publicitários têm que apostar em timing se quiserem ter sucesso. E deu exemplos com música, esportes, comédia, batidas do coração: tudo precisa ter ritmo e ter feito no tempo certo, buscando as tendências e reunindo contexto cultura, motivos pessoais e infraestrutura tecnológica para acontecer.
Após os escândalos da FTX e a quebra do Silicon Valley Bank, o mundo das criptomoedas ficou bastante abalado. Um painel na Web Summit Riu perguntou exatamente se as criptas estão mortas. Daniel Vogel, CEO de uma empresa especializada nas moedas virtuais, jura que não.
˜Eu nao colocaria todo meu dinheiro em cripto. Mas colocaria algum dinheiro em criptoativos˜, diz. Segundo ele, a transparência das operaçoes e o fato de você não estar sujeito a uma autoridade monetária contariam a favor do sistema. Mas mesmo durante a sessão reconheceu-se que o setor vive um inverno.
Mas Cesar lembra que todo caminho de inovação é pedregoso. Se ele conseguiu convencer a platéia do palco principal, as cenas dos próximos capítulos vão indicar.