Passageiros do Medo

Passageiros se sentem a cada dia mais desprotegidos nos ônibus

Larissa Alves
Larissa Alves
Publicado em 04/08/2016 às 8:30
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Cerca de dois milhões de pessoas utilizam os coletivos como meio de transporte para ir e vir todos os dias nos 14 municípios da RMR e, durante este trajeto, estão vulneráveis a situações de violência / Foto: Edmar Melo/JC Imagem (Acervo)

Cerca de dois milhões de pessoas utilizam os coletivos como meio de transporte para ir e vir todos os dias nos 14 municípios da RMR e, durante este trajeto, estão vulneráveis a situações de violência Foto: Edmar Melo/JC Imagem (Acervo)

Os números de assaltos aos coletivos na Região Metropolitana do Recife (RMR) são assustadores e as histórias de violência são diversas. Em meio a tanto medo e caos, algumas perguntas devem ser feitas aos órgãos de segurança do Estado (Secretaria de Defesa Social - SDS e Polícia Militar - PM) e à empresa responsável pelo sistema rodoviário na RMR (Grande Recife Consórcio de Transporte). Na terceira matéria da série "Passageiros do Medo", do JC Trânsito, o tema abortado é vulnerabilidade x impunidade e as possíveis soluções para diminuir os assaltos aos ônibus. 

VULNERABILIDADE: A INSEGURANÇA DE ANDAR EM COLETIVOS

Cerca de dois milhões de pessoas utilizam os coletivos como meio de transporte para ir e vir todos os dias nos 14 municípios da RMR e, durante este trajeto, estão vulneráveis a situações de violência. Como dito na primeira matéria da série, a média de assaltos no Grande Recife é de três por dia, segundo a SDS. Quem paga são os usuários do transporte público, que assistem e vivem a cada dia novas histórias de medo.

O dia 16 de junho de 2016 não vai ser esquecido por Ana Maria*, uma das 506 vítimas de assaltos a ônibus na RMR, números contabilizados pela SDS. A jovem foi assaltada por volta das 21h30, dentro do veículo que faz a linha 121- Vila da Sudene. "Três homens subiram no coletivo como passageiros normais, pagando passagem. Eles pegaram o ônibus na parada da Universo (na Avenida Mascarenhas de Moraes, no bairro da Imbiribeira) e duas paradas depois anunciaram o assalto", contou. Para ela, o momento de maior tensão foi quando um dos bandidos a ameaçou por duas vezes. "Um assaltante ficou na catraca, outro no meio do ônibus e o último na porta, recolhendo os celulares e carteiras dos passageiros. Eles não chegaram a levar a renda do cobrador. Mas teve um momento muito complicado, na hora que ele viu que meu celular era um Iphone, me pediu a senha. Na hora eu não me liguei em falar, então ele repetiu enquanto eu digitava. Eu chorei de nervosa", relatou. 

Ela conta que depois do assalto, o motorista perguntou aos passageiros se eles queriam parar em uma delegacia, mas todos recusaram. "Eu fiz o B.O. (Boletim de Ocorrência) quando cheguei em casa", disse. Não bastasse o susto, Paola ainda afirma que, por pouco, outra investida não acontecia no mesmo ônibus. "Quando chegou na Praça do Diário, outro cara entrou por trás do ônibus com uma faca para anunciar o assalto. Eu já estava chorando e comecei a chorar desesperadamente, porque eu não tinha mais dinheiro, não tinha mais celular e não sabia o que eu ia entregar", falou. O motorista percebeu a ação e fez um sinal aos policiais que estavam em uma viatura próximo à parada de ônibus. "Foi um dia muito tenso para mim, porque eu nunca havia sido assaltada com alguém armado e foram quase dois assaltos", finalizou. 

Em dois casos de violência, as vítimas foram assaltadas no mesmo ponto: na Avenida Mascarenhas de Moraes, próximo a Universo.

Em dois casos de violência, as vítimas foram assaltadas no mesmo ponto: na Avenida Mascarenhas de Moraes, próximo a Universo.Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Outra vítima foi o analista de RH José Diego de Souza, 29 anos. O jovem foi assaltado três vezes dentro de coletivos e, em um dos casos, a investida ocorreu no mesmo ponto que Paola, perto da Universo. Em todas as ocorrências, que aconteceram à noite, os assaltantes estavam armados e levaram seu aparelho celular. "Em um dos assaltos, que aconteceu na Avenida Conde da Boa Vista, nas imediações do Cinema São Luiz, cheguei a levar, sem motivos, um tapa no rosto", disse. Ele reforça que só anda de ônibus agora em último caso. "Fui juntando dinheiro aos poucos e comprei meu carro, só ando de ônibus quando realmente não dá! Você se sente impotente, sabe? Você trabalha tanto para ter as coisas e vem uma pessoa e leva seus bens", completou.  

IMPUNIDADE: NÚMERO DE ABORDAGENS X PRISÕES

Para diminuir a incidência de assaltos aos ônibus, a SDS informou que através da PM, intensificou a Operação Transporte Seguro (OTS) que tem por objetivo reduzir os números de episódios de violências em coletivos. A operação aderiu a um novo modelo desde junho de 2015, contando com a participação de unidades especializadas, como Batalhão de Policiamento de Trânsito (BPTran), Cavalaria da Polícia Militar, Batalhão de Choque e outros. Com base nos dados coletados pela Gerência de Análise Criminal e Estatística (GACE/SDS), a OTS é realizada em alguns pontos da RMR, de acordo com a incidência criminal. Entre eles encontram-se a Avenida Sul, Avenida Recife - na entrada de Jardim São Paulo - e PE 15, por exemplo. 

"Nós observamos os pontos com maiores incidentes criminais para montar os pontos das operações. Os horários são relativos e dependem muito destas incidências, mas costumam ser nos horários de pico destas ações violentas", explica o Major Júlio Aragão, assessor de comunicação da Polícia Militar (PM). Ele reforçou que as revistas são feitas de forma diferenciada em homens e mulheres. Neste caso, os homens são revisados por homens e mulheres por policiais mulheres. "Caso nós não tenhamos uma policial mulher na operação, os homens pedem para que as mulheres abram suas bolsas e estiquem sua camisa", explicou. 

Apenas no primeiro semestre deste ano, 15.969 veículos foram alvos da operação, resultando em seis apreensões de arma de fogo, nove de armas brancas e o encaminhamento de 35 pessoas à delegacia.

Quem já foi abordado nos coletivos fala sobre a importância das ações. "Eu achei muito válida a abordagem. Na minha opinião deveriam ter mais como estas, bem como um policial sempre nos ônibus, mesmo sendo à paisana", disse o passageiro Generino Bezerra. O usuário contou que a ação aconteceu por volta das 23h, na linha 069 - Conjunto Catamarã, próximo ao RioMar Shopping, no sentido subúrbio. "Antes da revista eles informaram o que era e o por quê da ação. Eles pediram licença e começaram a revista. Um policial ficou junto ao motorista, outro fez a vistoria nos homens e uma policial nas mulheres", completou.

Questionada sobre o número de prisões, referente a assaltos aos coletivos que acontecem no Grande Recife, a SDS informou, por meio de uma nota, que as prisões realizadas pelos policiais são remetidas à Justiça. De acordo com o Ministério Público de Pernambuco (PMPE), o tempo de permanência de prisão para assaltantes varia de acordo com as circunstâncias que podem ser agravantes ou qualificadoras do crime. 

POSSÍVEIS SOLUÇÕES: COMO AS EMPRESAS BUSCAM DIMINUIR OS ASSALTOS

Além da OTS, outras ações estão sendo alinhadas por uma Comissão Multidisciplinar, composta pelo Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT), o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Pernambuco (Urbana-PE), a Secretaria de Defesa Social (SDS) e a Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), que visa diminuir as investidas aos coletivos.

A comissão vem discutindo, desde o dia 10 de julho, questões de segurança ao transporte público e estabelecerá ações que garantam a segurança dos usuários e operadores nos ônibus que compõem o sistema de transporte público de passageiros da Região Metropolitana.

ÔNIBUS SEM COBRADOR - Uma das soluções encontradas para a diminuição de assaltos a ônibus, segundo o Grande Recife Consórcio de Transportes (GRCT) foi a retirada de cobradores de alguns veículos. Ainda em fase de teste, desde o dia 11 de junho, os coletivos da linha 901 - TI Abreu e Lima/ TI Macaxeira circulam pela RMR sem os profissionais. Segundo a empresa, a linha foi escolhida por passar pela BR-101, via que lidera a lista de locais com mais incidência de assaltos.

Como justificativa, a intenção do Grande Recife é avaliar se a redução de circulação de dinheiro nos coletivos acarretará na diminuição do número de assaltos. Entramos em contato com assessoria de imprensa do Grande Recife, mas o empreendimento disse que ainda não há informações se a medida, de fato, teve resultado.

CÂMERAS NOS COLETIVOS - No dia 25 de julho, outra medida foi anunciada pela Comissão Multidisciplinar, em resolução do Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM). A partir de novembro, todos os ônibus da RMR deverão ter instaladas, no mínimo, quatro câmeras no interior dos veículos. Atualmente, 98% da frota dos coletivos (cerca de 2.800 veículos) do Grande Recife são equipados com, ao menos, uma câmera. Segundo a assessoria de comunicação do GRCT, as empresas de ônibus encaminham as imagens, junto com o boletim de ocorrência, para o empreendimento, que, consequentemente, encaminha para a SDS. Ainda segundo a assessoria, normalmente a SDS não libera essas imagens para não atrapalhar a apuração do fato.

A partir de novembro, todos os ônibus da RMR precisam estar equipados com quatro câmeras

A partir de novembro, todos os ônibus da RMR precisam estar equipados com quatro câmerasFoto: Renato Spencer/JC Imagem (Acervo)

BOTÃO DE EMERGÊNCIA - Um outro ponto a ser discutido pela Comissão Multidisciplinar, é a implementação de um botão de emergência nos coletivos, um assunto bastante discutido, porém sem data para confirmada para acontecer.

*O JC Trânsito usou um nome fictício para preservar a identidade da vítima

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