Recife, a capital de Pernambuco, fica no coração do Nordeste brasileiro e é um celeiro de uma vasta diversidade cultural.
Maracatu, caboclinhos, coco-de-roda, ciranda, samba, afoxé e o mais tradicional: o frevo que é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, são algumas manifestações culturais presentes na região.
Dentro desse misto de tradições, um outro elemento inusitado ganhou fama na internet como membro da cultura popular de Recife e demais cidades da Região Metropolitana: a gaia.
Isso mesmo que você leu. Se você pesquisar o significado da palavra vai encontrar inúmeros conceitos, dentre estes, que Gaia é nome para teoria científica. Mas no Nordeste, gaia refere-se ao indivíduo que levou chifre; pessoa corna ou por fim, aquele que foi traído pelo parceiro ou parceira.
No Recife, em especial, as histórias de traições circulam os quatro cantos da cidade. É o que dizem: qualquer cidadão recifense, se não já levou chifre, é próximo a alguém que tem histórico de ser traído ou traidor.
Com a grande visibilidade das páginas locais nas redes sociais, a fama nacional só aumenta. Do anônimo ao famoso, a gaia já esteve presente na vida de alguém que vive na capital pernambucana.
A seguir, conheça algumas histórias de recifenses que foram vítimas de traição.
Lembramos são histórias reais, porém, para preservar a privacidade dos envolvidos, serão utilizados nomes fictícios.
RECIFE: A CAPITAL DA GAIA
"O SAPATO É MEU"
Rosa viveu durante 18 anos com Pedro. Nos sete primeiros anos de casamento, o marido tinha mil amores pela esposa. Com total respeito e dedicação, a mulher seria mãe de suas três filhas.
O restante do relacionamento foi marcado por "traições e mentiras", como a própria Rosa descreve.
Dentre as inúmeras traições descobertas, houve um fato inusitado.
Quando Rosa estava grávida de nove meses da segunda filha, faltavam poucos dias para a criança vir ao mundo, o marido chega em casa informando que iria levar a filha mais velha para o Parque 13 Maio, localizado no centro do Recife.
Como Pedro tinha vergonha de andar com mulher grávida (mesmo sendo pai da criança), pediu que Rosa não fosse: "fique em casa", disse ele.
Antes de seguir para o local na companhia da filha, do irmão e mais duas mulheres, ele pediu que a esposa o emprestasse um sapato para a mãe dele utilizar.
Ela deu o acessório. No final do dia, Rosa passou por um comércio que pertencia à sogra e perguntou se o sapato havia servido. "E aí o sapato coube na senhora?", questionou. "Que sapato?", respondeu a mãe de Pedro.
Entendendo o que poderia ter ocorrido, a esposa seguiu em busca do marido. No meio do caminho se deparou com Pedro, a filha e uma mulher usando o sapato que o marido alegou ser para uso da mãe.
"Ela correu para dentro de um matagal, ele correu para casa e eu fiquei até 1h da manhã esperando ela sair de lá", contou.
Quando a mulher saiu, Rosa pegou o sapato, rasgou e foi embora.
Anos depois, felizmente, Rosa decidiu largar Pedro e hoje vive em um relacionamento saudável.
"NA CAMA QUE EU PAGUEI"
Bruna namorava com João, que era um rapaz que não tinha cama em casa.
Nas vezes que a moça decidiu dormir na casa do namorado, o casal dormia no chão.
Vendo a situação, ela decidiu presenteá-lo. Foi até uma loja e comprou por R$650 uma cama de casal.
"Comprei no meu humilde cartãozinho", relatou.
Depois da aquisição, o casal decidiu ir para o Acadêmico do Morro, uma famosa casa de shows que existiu em Recife durante muitos anos. Durante a festa, houve um desentendimento entre os dois por conta de ciúmes de João.
A confusão se estendeu até a rua em que Bruna morava, chamando atenção de vizinhos. No meio das pessoas que assistiam a briga, estava Luana, a melhor amiga de Bruna.
Após acalmar os ânimos e cada um ir para sua casa, Luana decidiu "consolar" João. Ao invés de buscar saber da amiga, seguiu para a casa do rapaz e acabou inaugurando a cama e os lençóis comprados por Bruna.
"SÁBADO DE CARNAVAL"
Era período de carnaval, aos que gostam, uma das melhores festas que existe em Pernambuco. Especificamente no sábado de Zé Pereira, Paulinha passou o horas chamando Júnior para ir para as ladeiras de Olinda.
"Não vou, lá tem muita confusão", disse o rapaz.
A moça cansou de insistir e decidiu ir sozinha. No sobe e desce das ladeiras, ao som dos clarins de momo, uma cena assustou Paulinha: Júnior andando de mãos dadas com uma morena de cabelos curtos, junto com uma galera na maior animação.
Paulinha preferiu se fazer de cega e continuou curtindo os blocos de Olinda.
Ao chegar em casa, tinha uma mensagem de desculpa do agora ex-namorado, que tempos depois assumiu um relacionamento com a tal morena.
"DIA DOS NAMORADOS COM OUTRO"
No dia 12 de junho, Patrícia ganhou do seu namorado um buquê de flores e duas caixas de chocolate. Além dos presentes, o rapaz ainda a levou para um jantar romântico.
Durante a noite, a jovem bebeu, ficou bêbada e começou lembrar de Kelber, outro rapaz por quem ela tinha um grande desejo sexual.
Sem querer continuar o jantar com o namorado, arrumou uma briga sem pé nem cabeça e foi para casa.
Já em sua residência, ligou para Kleber que, sem muitos questionamentos, seguiu para a casa de Paulinha, dormiu com ela e ainda comeu o chocolate dado pelo namorado.
CONSEQUÊNCIAS DE UMA TRAIÇÃO
A descoberta de uma traição pode trazer sérias consequências à vida das pessoas. De acordo com Carolyne Oliveira, que é psicóloga clínica, pós graduanda em terapia cognitivo comportamental, Sentimentos de inadequação, insuficiência, sentir-se imperfeito demais e indigno de amor, são apenas alguns exemplos de crenças que podem ser desencadeadas - ou até mesmo reativadas - em decorrência disso.
"A pessoa, então, pode desenvolver uma série de comportamentos disfuncionais e autodestrutivos na tentativa de lidar ou amenizar essa dor. Dor essa, que, quando somada aos demais acontecimentos da vida, pode se tornar insuportável", acrescenta a especialista.
Ela fala também sobre o fato das mulheres serem estimuladas a naturalizar as traições vindas de seus parceiros, com justificativas de que é algo da natureza masculina e querer transferir a culpa para outra mulher.
Porém, conforme a psicóloga, trair é uma escolha.
"Sei que não é tão simples como parece, porém se o indivíduo sente que não consegue lidar com isso sozinho, ele precisa procurar ajuda. É preciso entender o porquê de ele funcionar assim, desmistificar os padrões que estão por trás disso e entender quais são suas perspectivas para um relacionamento", explicou.
POR QUE AS PESSOAS TRAEM?
De acordo com o Cientista social, José Matheus, as relações sociais são como um contrato que contém regras que são seguidas com base no que é combinado entre as partes.
"A monogamia é uma delas. A exclusividade do afeto amoroso. A traição funciona como a quebra desse contrato", explica.
Para o cientista, o que influencia nesse número tão grande de pessoas traídas é a influência da pós-modernidade.
"São muitos estímulos. O tanto de possibilidade que os aplicativos da internet oferecem. Isso mexe com a mentalidade do indivíduo e acaba que essa força monolítica da monogamia se perde um pouco", explicou.
Matheus acrescenta que devido ao excesso de estímulos oferecidos pela atual sociedade, as relações tornam-se mais rasas.
"Isso inevitavelmente afeta suas relações com as outras pessoas. Com essa excessiva oferta de estímulos, não só para sua subjetividade, mas também para sua relação, você acaba perdido".
POR QUE RECIFE É A CAPITAL MUNDIAL DA GAIA?
Sejamos sinceros, a famosa "gaia" existe em todas as partes do mundo. Porém no Recife, foi canalizada de forma diferente.
Parte desta fama é fomentada pelo burburinho causado nas páginas locais, inseridas principalmente no Instagram, nas quais casos genéricos ou de pessoas relevantes na cena pernambucana vêm à tona, viralizam e tornam-se assunto nos círculos sociais.
No Recife, a gaia, inclusive, fortalece a produção artística. Cantores pernambucanos que falam de traição são sucesso em todo Brasil. O rei do brega, Reginaldo Rossi, por exemplo, compôs uma canção chamada “O dia do corno”, que podemos considerar que foi homenagem a seus conterrâneos.
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