Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado retrocessos nos direitos humanos relacionados à diversidade, como evidenciado recentemente pela aprovação de um polêmico Projeto de Lei (PL) na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados.
Esse PL, que proíbe o casamento homoafetivo e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, gerou debates intensos e agora está em trâmite nas Comissões de Direitos Humanos e Constituição e Justiça. Diante desse contexto desafiador, a professora Betinha Fernandes, médica e docente na UNINASSAU Recife, surge como uma voz destacada na promoção da diversidade e resistência.
Betinha foi a única médica do estado de Pernambuco a ser convidada para ser palestrante no 1º Congresso Nacional das Mães da Resistência (MdR), que aconteceu entre os dias 2 e 4 de dezembro, em Brasília, no Distrito Federal.
O congresso recebe apoio da UNAIDS Brasil, um programa da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicado à resposta global à epidemia de HIV/AIDS. A Associação Mães da Resistência é um coletivo que defende os direitos de pessoas LGBTQIAPN+, com foco em mães, pais e familiares que lutam por seus filhos.
Para o Portal NE10, Betinha Fernandes compartilhou sua trajetória de envolvimento com questões relacionadas à saúde de crianças e adolescentes LGBTQIAPN+, e sua participação no congresso.
"Recebi um convite da presidenta das MdR, Gi Carvalho, para atender um menino transgênero de 8 anos. A partir desse momento, comecei a colaborar voluntariamente com elas, fazendo parte da rede nacional de profissionais de saúde LGBTQIAPN+. Foi essa experiência que me levou a participar do 1º Congresso Nacional das Mães da Resistência como palestrante", afirmou Betinha.
O tema da palestra da professora no evento foi "Promoção da Saúde e Cuidado Integral a LGBTQIA+ e familiares". Ela abordou o trabalho realizado nos Grupos de Familiares de crianças e adolescentes LGBTQIAPN+, com foco especial em pessoas trans.
Betinha destacou a importância desses grupos durante a pandemia, proporcionando acolhimento virtual que se mostrou eficaz mesmo após o retorno das atividades presenciais.
"Nas reuniões da Colcha de Escuta, atividade das MdR, oferecemos suporte emocional, troca de informações e orientações embasadas em evidências científicas. Discutimos questões como discriminação, medos e ansiedades enfrentadas por mães e familiares, além de fornecer informações sobre cuidados afirmativos à saúde da população LGBTQIAPN+", explicou.
Ainda segundo a docente, o congresso contribui para conscientizar a população sobre temas de saúde LGBTQIAPN+, direitos civis e acesso a serviços essenciais. "A expectativa é que essa conscientização promova uma mudança de postura nos profissionais de saúde e na sociedade em geral."
Quando perguntamos sobre como sua participação no congresso agrega valor à UNINASSAU Recife, instituição de ensino da qual faz parte, Betinha destacou o compromisso da IES em formar profissionais éticos e humanos, alinhados à medicina baseada em evidências.
"A presença de uma docente da UNINASSAU no 1º Congresso Nacional das Mães da Resistência demonstra a intenção de ampliar o campo de ação à população LGBTQIAPN+, incluindo a implementação futura de disciplinas e projetos específicos", pontuou.
Professora titular da disciplina "Saúde Integral de Adolescentes" na UNINASSAU Recife, ela destaca a abordagem única dos cursos médicos da instituição, alinhada aos valores éticos, humanos e à medicina baseada em evidências. Para Betinha, o objetivo desses cursos é formar profissionais capacitados a utilizar tecnologias, incluindo a IA generativa, em benefício da ciência.
A abordagem da disciplina ministrada pela médica foca em adolescentes de gêneros diversos e orientações afetivo-sexuais diversas, vítimas de violência. "Não poderíamos nos furtar de oferecer um campo de assistência, ensino e também pesquisa em saúde LGBTQIAPN+, desde a infância até a vida adulta", conta.
A UNINASSAU planeja iniciar uma disciplina eletiva (extensão) de saúde LGBTQIAPN+ no primeiro semestre de 2024, além de já ter em andamento o projeto do Ambulatório Multiprofissional e Interdisciplinar para Gêneros e Sexualidades (AMIGS), uma parceria entre a instituição de ensino e o Hospital Geral de Areias (HGA, SUS). "Recentemente, nesse projeto, atendemos cinco adolescentes (cis e trans) com casos de violência, tanto física como emocional, onde acionamos o Conselho Tutelar", relata.
Ainda na UNINASSAU, as iniciativas da professora Betinha relacionadas ao tema incluem jornadas que buscam integrar estudantes de diversos cursos, como Serviço Social, Psicologia, Engenharia, entre outros, proporcionando uma visão interdisciplinar.
"A mudança de postura de profissionais, ainda aquém dessa realidade científica, e a quebra de paradigmas de famílias e outros grupos sociais que não compreendem, pode promover a ambiência mais favorável a todas as existências humanas, em especial para crianças e adolescentes com variação da diversidade de gênero e de orientação afetivo-sexual, pessoas essas que estão em formação", completa.
Questionada sobre os esforços do Brasil na proteção de crianças e adolescentes LGBTQIAPN+ contra violência e discriminação, Betinha destacou a triste realidade do país, ocupando o primeiro lugar em assassinatos de pessoas trans e travestis nos últimos 14 anos.
Ela ressaltou a necessidade de mudança de postura, incluindo currículos transversais nos cursos de medicina e a promoção de debates e reuniões científicas sobre esses temas.
"Há muito a ser realizado em toda a sociedade acadêmica e civil, abrindo portas para as próprias pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ terem voz, dizerem de suas necessidades e seus potenciais de criatividade", alertou.
Sobre o papel dos pais na promoção da aceitação e inclusão na sociedade, Betinha enfatizou que o acolhimento familiar é crucial.
"O maior fator de proteção para crianças e adolescentes LGBTQIAPN+ é o acolhimento de sua família. Enfrentar o preconceito, exigir direitos e buscar justiça nos casos de LGBTIfobia são passos importantes para construir um mundo mais inclusivo", concluiu.
Betinha Cordeiro Fernandes é médica pediatra, com especialização em Medicina de Adolescentes, e Doutora em Saúde Materno Infantil. Atuando como professora titular de Saúde de Adolescentes na UNINASSAU, em Recife/PE, ela é reconhecida por seu comprometimento com a causa LGBTQIAPN+.
Betinha também participa do Comitê Técnico de Saúde LGBT+ de Pernambuco e contribui como médica voluntária na Associação Mães da Resistência. Além disso, coordena a Saúde de Adolescentes na Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe).