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Dia da Consciência Negra: Vítima de racismo, garoto queria ser branco e de olhos azuis

Amanda Tavares
Amanda Tavares
Publicado em 19/11/2016 às 16:49
Antonio e os pais. Foto: Diego Nigro / JC Imagem
Antonio e os pais. Foto: Diego Nigro / JC Imagem FOTO: Antonio e os pais. Foto: Diego Nigro / JC Imagem

No último dia da série de reportagens #SomosNegros mostraremos, com o exemplo de Antonio Mesquita, 9 anos, a importância da influência familiar para que as crianças se orgulhem das suas origens. Conheça ainda o trabalho realizado por integrantes do Terreiro Xambá, em Olinda. Textos de Amanda Tavares.

Antonio Mesquita, 9 anos, convive com uma família diversificada. A mãe, é de “pele branca”; o menino tem primos brancos, de cabelos louros. O pai é negro. E todos sempre trataram isso com muita naturalidade. Mas não foi preciso crescer muito para que, na rua, o garoto percebesse que as pessoas agem de forma bem diferente da sua família. Comentários, ações, reações de pessoas que, na maioria das vezes, ele nem conhece, simplesmente por causa da cor da sua pele, incomodaram o menino e a família.

Família foi fundamental no trabalho da autoestima de Antonio. Foto: Diego Nigro / JC Imagem Família foi fundamental no trabalho da autoestima de Antonio. Foto: Diego Nigro / JC Imagem

Os pais optaram pela coragem de admitir para o filho que ele iria enfrentar muito preconceito, sim. E ensinaram por quê. Contaram sobre a origem do povo africano. Aproveitaram a admiração da criança por super-heróis para apresentá-la a líderes negros que lutaram para que hoje muitos tivessem orgulho da sua cor de pele, da sua cultura, da religião e de todas as suas escolhas. Antonio se encantou. Assume-se negro, o que não impede de passar por situações constrangedoras. A diferença é que, agora, ele sabe como responder, como reagir.

A mãe, Mariana Mesquita, conta que, ainda muito pequeno, o menino passeava com a babá pela Praça de Casa Forte, bairro na Zona Norte do Recife. Alguém abordou a mulher e questionou o que aquela criança “com cara de pobre” fazia ali. “Foi a primeira vez que ouvi isso. Ele tinha pouco mais de um ano. Não pensava que ia doer tanto em mim. Depois percebi que é algo cotidiano. E, em locais onde há menos negros frequentando, é maior a possibilidade de sofrer preconceito”, observa. Outro dia, quando tinha 6 anos, Antonio chegou da escola e fez um pedido à mãe. Queria pintar o cabelo de louro e passar a ter olhos azuis. Não gostava de ser daquela cor, porque “negro mora na favela e usa drogas”.

 

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Os pais descobriram que a reação se deu porque as crianças da escola falavam mal do seu cabelo e da cor da sua pele. “Eles diziam que os brancos eram melhores do que os pretos”, relata o menino.

Mariana interpretou que o filho não se aceitava da forma como era. “Levei um baque. Mas decidi ensinar a ele a história dos negros e dizer como vieram da África para o Brasil”, conta. O pai, Enoch Leite, compartilha situações desagradáveis vividas ao lado do menino por causa da cor da pele dos dois. “Um dia uma criança nos expulsou de uma festa infantil por achar que éramos da família dos empregados. Até que a anfitriã interferiu e ficamos lá”, lembra. “Para ajudar nosso filho a aceitar suas características, suas origens, a gente foi apresentando os traços culturais do povo negro. Ensinamos sobre Zumbi dos Palmares, Bob Marley, Jorge Ben, sobre a cultura do hip hop... Antonio se encantou. Também tivemos o cuidado de falar para ele sobre os perigos do mundo. Não podemos criar nossos filhos numa redoma”, resume Enoch.

O casal resolveu, este ano, fazer um passeio diferente com o menino. E os três foram ao Museu do Homem do Nordeste, onde objetos expostos contam a história da região, destacando a herança deixada por índios, portugueses, africanos. Logo no início da visita, chamaram a atenção de Antonio os grilhões. Quis saber do que se tratava. “Explicamos que os grilhões foram utilizados numa fase em que os negros eram escravizados e viviam presos por aqueles instrumentos de tortura”, lembra Enoch. “Ele olhou para o pelourinho e questionou por que os negros não lutavam. Eu respondi que lutavam, sim! Que reagiam e que brigam até hoje em favor dos seus direitos”, explica Mariana.

 

 

Os pais deixam claro que educam não para incentivar o antagonismo entre as raças, mas para mostrar por que o negro é importante e os motivos pelos quais devem se orgulhar da sua história. Antonio começou a se identificar com a raça. “O que mais gostei de saber da história dos negros é que eles são ‘do bem’. Não usam armas brutais, não torturam as pessoas. E os brancos chegaram à África prendendo, batendo, escravizando. Um dia eu quis ser branco; hoje tenho orgulho de ser negro. Quero tentar fazer alguma coisa para que nenhum negro se sinta ofendido pelo que os outros dizem de ruim ao seu respeito”, revela.

Orgulhosa da transformação que, com o marido, conseguiu provocar na criança, Mariana afirma admirar os sinais que o filho dá de que se reconhece como negro, enxergando isso de forma positiva. “Acredito que, ao longo da vida, Antonio aprofunde esses conhecimentos. Por enquanto, o importante é ele se ver como negro e achar que isso é uma coisa boa. Levar esse orgulho para o resto da vida”, comemora a mãe.

Ainda sobre a visita ao museu, Mariana Mesquita conta que, apesar de a família não ter religião definida, a programação teve o intuito de também mostrar ao garoto a influência religiosa dos africanos no nosso País, já que as religiões de matriz africana estão muito ligadas à arte, às roupas, às músicas, à história dos negros de forma geral.

“Houve um momento do passeio em que Antonio estava disperso, brincando. Quando viu o pelourinho, parou para prestar atenção. Parece que a ficha caiu naquele momento. E ele foi se inteirando. Depois queria saber sobre os orixás e seus poderes, o que eles gostam de comer, qual a cor de cada um... Passamos por uma parte onde ficam expostos vários heróis negros, obras de arte, instrumentos de música. Ele saiu acompanhando tudo, muito atento. No fim, me deu um aperto forte, que quase me levantou do chão. Doeu! E eu questionei: ‘O que é isso, Antonio’?! ‘Isso é para você ver a força que o negro tem!’”