Você leu {{ signinwall.data.visits }} de {{ signinwall.data.limit }} notícias.
Possui cadastro? Faça login aqui
{{ signinwall.metadata.blocked_text }}
Você atingiu o limite de conteúdos que pode acessar.
Para acessar o conteúdo, faça seu login abaixo:
Faça login ou cadastre-seQuatro anos após o nascimento dos primeiros bebês afetados pelo zika, especialistas lançam um olhar para um fenômeno que se torna cada vez mais visível: o abalo da saúde mental de famílias (especialmente as mães) de crianças com a síndrome congênita do vírus, cujo comprometimento mais conhecido é a microcefalia. Resultados de um trabalho iniciado em 2017, nas cidades do Recife e do Rio de Janeiro, financiado pela Wellcome Trust (fundação do Reino Unido), revelam que casos de depressão, ansiedade e estresse são bastante comuns entre mães de crianças pequenas no Brasil, independentemente de cuidarem de meninos ou meninas com algum tipo de deficiência. O destaque da pesquisa é que os níveis desses transtornos são maiores em mães de crianças comprometidas pela zika, em comparação com aquelas cujos filhos não foram afetados pelo vírus.
O estudo, publicado recentemente na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases, mostra que 21% das 163 mulheres que têm filhos com zika congênita convivem com quadros graves ou extremamente graves de depressão. Já 31% têm quadros graves ou extremamente graves de ansiedade e 41% apresentam níveis na mesma intensidade alta de estresse. As taxas preocupam e são bem maiores do que as prevalências observadas na população brasileira em geral: 5,8% para depressão e 9,3% para ansiedade, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Leia também:
Zika e microcefalia: secretário de Saúde de Pernambuco promete mais apoio às mães
Entre as sete pesquisadoras que assinam o trabalho, três são vinculadas a instituições pernambucanas: Instituto Aggeu Magalhães (unidade da Fiocruz no Estado), Universidades de Pernambuco (UPE) e Federal de Pernambuco (UFPE). “Mães de crianças com síndrome congênita do zika foram mais propensas a apresentar sintomas de depressão, especialmente se tinham pouco apoio social”, escrevem as autoras.
Mãe de Ryquelme Kauan (o menino completa 4 anos em dezembro), a dona de casa Ávila Paloma Nejaim, 24, conta o quanto o fenômeno social da microcefalia e outras complicações associadas ao zika abalam a sua saúde mental. “Hoje em dia, sou uma pessoa nervosa e ansiosa. Vivo muito estressada, além de chorar por qualquer coisa. Se algo que for para o meu filho não dá certo, logo choro. Vivemos do BPC (sigla para Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social) para pagar todas as despesas de casa, e o meu marido está desempregado”, conta Ávila Paloma, que precisou parar de trabalhar depois que Ryquelme nasceu. “Há noites em que não durmo e vejo o dia raiar. Tempos atrás eu fazia terapia. Desde que engravidei de Davi (2 anos), não consigo mais ir à psicóloga. Preciso retomar”, complementa.
O relato da mãe de Ryquelme também ilustra os achados de uma pesquisa desenvolvida pela psicóloga Ludmila Menezes de Oliveira, mestre em Saúde Pública pela Fiocruz Pernambuco. A dissertação, intitulada A saúde mental das mães e outros cuidadores de crianças com síndrome congênita do zika, foi defendida em setembro deste ano e contou com a orientação da médica sanitarista Tereza Lyra, pesquisadora da instituição e uma das autoras do estudo citado no início desta reportagem.
“De forma geral, os resultados da minha pesquisa indicam que as famílias sofreram um grande impacto emocional com a síndrome congênita do zika. Elas foram afetadas pela relação com os profissionais de saúde, pela idealização de uma criança perfeita, pela definição social do que é a deficiência, pela divisão desigual de cuidados entre os gêneros e pelo sentimento de abandono quanto a ações institucionais. Esse ponto coloca em pauta a garantia de direitos sociais e a necessidade de pensar a deficiência enquanto uma questão eminentemente social”, destaca Ludmila. Ao longo da pesquisa, ela observou sofrimento psíquico nas interações das mães e outros cuidadores com profissionais de saúde, especialmente no momento de revelar o diagnóstico, que foi dado de forma inadequada, segundo as participantes do estudo.
“Entrevistamos mulheres e homens com participação na divisão das tarefas e, embora seja possível observar avanços em relação à atuação masculina no cuidado, as mulheres foram afetadas em diferentes níveis. Nenhum dos homens precisou largar suas atividades remuneradas, enquanto a maioria das mulheres interrompeu seus projetos de vida para uma dedicação exclusiva aos filhos”, frisa Ludmila. A psicóloga ainda ressalta que a fragilidade da participação do Estado sobrecarrega as famílias, especialmente as mulheres, dificultando o suporte familiar e trazendo problemas à saúde mental das mães. “Muitas participantes da pesquisa alegaram que tiveram suas demandas atendidas no início (da mudança do padrão de ocorrência da microcefalia), mas agora se sentem abandonadas porque o assunto não é mais tão presente na imprensa”, acrescenta Ludmila.