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Unifesp realiza estudo inédito no País contra dependência química

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 14/10/2014 às 0:30

A ibogaína, medicamento obtido da raiz da iboga, planta encontrada em países africanos, principalmente no Gabão, pode interromper a dependência de crack e outras formas de vício em 72% dos casos. É o que revela a pesquisa brasileira inédita, conduzida pelo departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e publicada pelo The Journal of Psychopharmacology, da Inglaterra, uma das publicações mais relevantes na área de psicofarmacologia do mundo.

Liderado pelo psiquiatra Dartiu Xavier,  o estudo, realizado entre janeiro de 2005 e março de 2013, envolveu 75 pacientes dependentes de várias drogas, como cocaína, crack, álcool e outras menos comuns. Desses, 55% dos homens e 100% das mulheres ficaram livres do vício por, pelo menos, um ano. "Esse prazo de abstinência costuma ser considerado satisfatório para se falar em cura", afirma Xavier.

Já Bruno Chaves, especialista em clínica médica e um dos idealizadores do estudo, ressalta que o período em que os pacientes conseguiram ficar abstinentes foi significativamente maior após o tratamento com ibogaína,em comparação com os períodos de interrupção da dependência conseguidos pelos mesmos pacientes antes dessa experiência. Segundo ele, os tratamentos tradicionais  alcançam resultados semelhantes em 5% a 10% dos casos.

Além de interromper a dependência por um período prolongado, o levantamento também identificou que a intervenção com a substância melhora a qualidade de vida dos usuários de drogas, já que foi verificado que a maioria deles voltou a estudar, a trabalhar e a se relacionar adequadamente na sociedade.

O medicamento atua em duas frentes nos pacientes: aumenta uma substância já conhecida no cérebro, que repara as sinapses danificadas e cria novas conexões entre os neurônios, o que recupera parcialmente o dano causado pelas drogas. Concomitantemente a esse mecanismo, ocorre um reequilíbrio dos neurotransmissores e, por consequência, a proporção adequada entre serotonina, dopamina e noradrenalina, responsáveis pelas sensações de prazer.

Por outro lado, a ibogaína atua no campo psicológico do paciente. É comum o relato de uma certa confusão mental. "Durante os efeitos da medicação, os pacientes referiram experiências e vivências intensas, revivendo coisas que aconteceram em suas vidas", afirma o psiquiatra Xavier.

EFEITOS ADVERSOS

Embora tenham ocorrido reações como tonturas, tremores, náuseas, dores de cabeça e confusão mental, por até 24 horas após o início do tratamento, não houve registro de efeitos adversos graves nos pacientes pesquisados, como arritmias cardíacas ou mortes. "O tratamento com ibogaína realizado em hospital, com acompanhamento médico constante, medicação de boa qualidade e procedência, em pacientes motivados, é seguro e sem complicações", garante Chaves.

De acordo com ele, os pacientes receberam acompanhamento por até três anos após a primeira sessão de terapia e, nesse período, não foi verificada nenhuma sequela física ou psicológica. Ele também ressaltou que uma das principais vantagens do uso da ibogaína contra a dependência química é que, enquanto o paciente que recebe tratamento tradicional fica cerca de nove meses internado, aquele que vivencia a experiência psicodélica passa, no máximo, 48 horas recluso.

ACESSO À IBOGAÍNA

Apesar de ser utilizada na recuperação de dependentes químicos há algumas décadas em vários continentes, a terapia à base da iboga (raiz cujo princípio ativo é a ibogaína) continua proibida em alguns países. No Brasil, embora não existam restrições legais à ibogaína, o uso da substância como medicamento não está regulamentado. Os tratamentos  podem ser considerados como uma alternativa para os casos mais graves de dependência química. As sessões com ibogaína são feitas a partir de produtos importados, autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).