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Rei Momo magro: você concorda?

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 11/02/2011 às 11:15

Se quebrar hábitos já é difícil, imagina romper uma herança cultural?!? É um trabalho árduo, que causa estranheza, frustração, irritação e até má impressão. Concordam?!? Acredito que toda essa leva de sentimentos deve ter brotado em algumas pessoas quando souberam que o peso deixou de ser uma exigência à candidatura de Rei Momo do Recife.

Pois é, o chefão da folia, cujo primeiro personagem foi escolhido na década de 30 no Brasil, não precisa ter mais de 100 kg. E o motivo é óbvio: numa época em que prezamos a saúde da população, a Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) acredita ser contraditório estimular o desenvolvimento da obesidade nos homens que desejam assumir o posto de soberano do Carnaval. E nesse sentido, muita gente aplaude a decisão da PCR, que no seu 47º Baile Municipal do Recife, no próximo dia 26, às 19h, no Chevrolet Hall, escolherá um rei com silhueta esbelta e músculos bem definidos.

Não, os homens com sobrepeso e obesidade não foram impedidos de se inscrever para participar da única eliminatória, realizada na última segunda-feira (7/2). Por sinal, 123 mulheres e 86 homens participaram da ocasião. Destes, 26 foram indicados para disputar os postos de Rei e de Rainha do Carnaval do Recife. Todos magros.

Eu não estava por lá, mas o jornalista Gustavo Belarmino, editor-assistente do JC Online, contou que havia uns seis candidatos com excesso de peso. Não sei se eles ficaram constrangidos ao lado da maioria sarada, mas posso escrever, com base no que li na matéria do Jornal do Commercio (publicada no caderno Cidades do dia 8/2), que "o destaque ficou para os gordinhos (...) Na plateia, ficou claro que a preferência é para um rei mais cheinho. Mas a briga acabou mesmo entre os mais magros, selecionados para a final".

Automaticamente, sem parar para refletir, a gente só imagina um Rei Momo com vários quilos extras. E talvez por isso, boa parte do público que assistiu à eliminatória simpatizou com quem apresentava sobrepeso. Mas também inconscientemente, quando se fala num concurso cujo regulamento valoriza a beleza e a desenvoltura, sem a necessidade de a pessoa exibir três dígitos na balança, imediatamente as pessoas elegem candidatos que demonstram boa saúde e exibem corpo malhado, moldado por exercícios e alimentação equilibrada.

E nesse sentido, vale a pena uma reflexão sobre a habitual imagem do Rei Momo. Seguindo costumes antigos, trata-se de um homem escolhido para a "representação monárquica maior de poder e que, frente aos prazeres da festa mundana, faz-se evidente pelo seu excesso de peso devido ao consumo descontrolado de bebidas e comidas que alimentam a carne", escreve a pesquisadora Andréa Stopiglia Guedes Braide, na dissertação de mestrado Gordura saturada: significados e "carga" cultural da obesidade mórbida para homens nordestinos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza (Unifor), em 2009.

AUTORIDADE ADAPTADA - Então, já que o perfil do Rei do Carnaval do Recife será diferente (pelo menos neste ano), será que podemos dizer que esse personagem histórico foi exterminado da folia recifense? Acredito que não, com base no que me disse o professor Bartolomeu Figueirôa de Medeiros (mais conhecido como Frei Tito), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

"As tradições frequentemente se quebram e se reinventam. Muitos legados do século 19, inclusive a própria monarquia, foram enfraquecidos e se adaptaram", ressalta Frei Tito, que continua: "O discurso da tradição está sempre alinhado à mensagem do poder de quem governa e também da massa". E no contexto atual, o povo e a sociedade médica levantam a bandeira do bem-estar. Afinal, faz tempo que assimilamos o recado de que excesso de peso e obesidade não rimam com saúde.

Por sinal, diante dessa modificação incorporada na seleção do rei do Carnaval Multicultural do Recife, podemos dizer que voltamos ao ano de 1933, quando o primeiro Rei Momo brasileiro, Silvio Caldas, foi eleito pelo jornal carioca A Noite, mesmo sendo magérrimo e apresentando ótimas condições de saúde. É uma prova de que podemos, sim, ter um Rei Momo esbelto novamente.

Aproveito ainda este post para frisar que não é o sobrepeso e nem mesmo a obesidade que fazem uma pessoa ser menos (ou mais) charmosa e talentosa do que outras. Dessa maneira, podemos voltar a ter um Rei Momo cheinho, "dono de um inalterável bom humor, apreciador das boas coisas da vida, bom garfo e bom copo (...), mas sempre afável, bom amigo e gozador" - como bem escreve (para definir o obeso feliz) o endocrinologista Geraldo Medeiros, no livro O gordo absolvido: a dieta pela genética (Difusão Editora).

Só não dá para fazermos do sobrepeso e da obesidade mórbida uma exigência para que os candidatos ao trono alcancem a dignidade real. Estimular qualquer pessoa (seja criança, adolescente, adulto ou idoso) a ganhar quilinhos extras para ganhar um prêmio é maldade.

Ainda ao tomar como fonte o médico Geraldo Medeiros, na mesma publicação já mencionada, é possível deixar claro que "o paciente obeso - nunca é demais repetir - é um doente como qualquer outro. Absolvido de qualquer sombra de culpa, merece nossa total solidariedade e o amparo da medicina e da sociedade". E é isso que faz a gestão municipal e a população quando apoiam um concurso que tem a saúde em primeiro plano.

E você, o que acha de toda essa discussão? Deixe seu comentário e participe do debate.