Estratégia

Ataques na Síria são fruto de uma resposta emocional de Trump

Rafael Paranhos da Silva
Rafael Paranhos da Silva
Publicado em 07/04/2017 às 21:24
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Trump ordenou o lançamento de mísseis sobre a Síria oriundos dos navios das Forças Armadas dos EUA / Foto: AFP

Trump ordenou o lançamento de mísseis sobre a Síria oriundos dos navios das Forças Armadas dos EUA Foto: AFP

A enxurrada de mísseis que o presidente americano, Donald Trump, descarregou sobre a Síria - o primeiro grande movimento militar de seu governo - o revelou como um líder alimentado pelo instinto e pela emoção, e disposto a sacudir qualquer estratégia em um instante.

Na terça-feira, aterradores detalhes chegaram à Sala da Situação na Casa Branca, um espaço seguro na ala oeste do edifício que serve como os olhos e os ouvidos da presidência americana sobre o mundo.

A imagem inicial era incompleta, mas o Exército e a Inteligência americana acreditam que a 9.250 km de distância, em Khan Sheikhun, um avião da Força Aérea de Bashar al-Assad lançou um ataque mortal de gás sarin contra os opositores a seu governo.

Na manhã de terça-feira, os funcionários da Inteligência deram notícias a Trump como parte de seu relatório confidencial.

Ao mesmo tempo, as agências de notícias com jornalistas no terreno, como a AFP, começaram a mostrar a horrorosa realidade dos efeitos do bombardeio: imagens de crianças convulsionando, homens e mulheres com os olhos brancos, e o pânico dos esforços para liberar os que continuavam vivos do agente mortal.

De acordo com os funcionários da Casa Branca, o presidente Trump - um homem cuja vida tem sido definido pelo poder da imagem e da televisão - teve uma resposta imediata e visceral às imagens, pedindo mais informações e opções.

"Cruzou muitas linhas para mim", disse Trump sobre esse episódio em uma coletiva de imprensa no dia seguinte. "Quando você mata inocentes, bebês inocentes, com um gás químico tão letal, isso cruza muitas, muitas linhas, para além de uma linha vermelha".

Veja vídeo:

"Tenho uma responsabilidade"

Antes deste acontecimento, Trump criticou o aventureirismo militar de seus antecessores no Oriente Médio, argumentando que era hora de ultrapassar as guerras no Iraque e no Afeganistão para colocar os "Estados Unidos em primeiro".

Trump argumentou várias vezes que as brutais ações de Assad não eram realmente um problema dos Estados Unidos e que o ditador sírio - e seus partidários russos - poderiam ser aliados na luta contra o grupo extremista Estado Islâmico.

Foi uma virada completa. Agora, Trump quer uma resposta pelo ataque.

"Agora tenho uma responsabilidade, e terei essa responsabilidade, e a levarei muito orgulhoso", disse.

Em 24 horas - uma velocidade que surpreendeu os aliados e, inclusive, algumas pessoas de dentro da administração - militares e funcionários de segurança nacional apresentaram ao presidente múltiplas opções.

Na tarde de quinta-feira, Trump ordenou o lançamento de 59 mísseis Tomahawk sobre a base aérea de Shayrat oriundos dos navios das Forças Armadas dos Estados Unidos no Mediterrâneo.

Foi uma exibição esmagadora de poder, mas menos arriscada do que voar sobre uma área coberta pelo sistema de defesa antimísseis S-400 da Rússia e menos arriscada do que atacar o quartel-general sírio ou objetivos do governo.

Do ambiente relaxado de Mar-a-Lago, na Flórida, onde estava Trump, não havia indícios de que o presidente tivesse ordenado um ataque que pudesse marcar sua administração e alterar drasticamente a dinâmica geopolítica do Oriente Médio.

Trump, acostumado à liderança, estava tão confortável com sua decisão que horas antes do ataque estava contando piadas ao presidente chinês, Xi Jinping, que está hospedado em seu resort na Flórida.

Consequências incertas

Os funcionários de alto escalão da administração viram a decisão como uma demonstração de fortaleza e de decisão da presidência. A mensagem? Há um novo comandante no poder.

Com Trump não haverá nenhuma linha vermelha ignorada ou deliberações durante meses para adotar uma ação, características da administração de Barack Obama.

"É decisivo, e não tenho nenhuma dúvida de que ele [Trump] queria esse contraste com a indecisão do presidente Obama sobre a Síria", disse à AFP o diretor do Centro de Política da Universidade de Virgínia, Larry Sabato.

"Mas parte disto também é preocupante, é um presidente que não sabe o que não sabe, todos vimos", acrescentou.

Em meio a múltiplas perguntas sobre a estratégia a longo prazo e a legalidade do ataque, os funcionários de alto escalão da administração lutaram para explicar a justificativa além da reação de Trump.

O secretário de Estado, Rex Tillerson, e o conselheiro de Segurança Nacional, H.R. McMaster, apresentaram o ataque como uma resposta específica a uma violação específica das normas sobre armas químicas, e também como uma advertência para o mundo em geral de não se meter com Trump e com os Estados Unidos.

Na manhã desta sexta-feira, de Londres a Tóquio, de Teerã a Pyongyang, estavam tentado averiguar se foi somente um ataque pontual ou o disparo inicial de uma nova doutrina de Trump. A maioria se inclinava pela primeira resposta.

Funcionários da Casa Branca admitiram em particular que o ataque à Síria pode se repetir, mas que não é uma posição necessariamente transferível a outras crises.

Um ataque à Coreia do Norte, admitiu um funcionário sob anonimato, seria uma ação muito mais forte.

Os Estados Unidos estão se preparando para uma resposta de Assad ou de seus partidários em Teerã por meio dos milicianos do Hezbollah, mas a Casa Branca admite que um ataque contra Pyongyang levará a uma resposta direta muito mais séria, dirigida a seus aliados como Coreia do Sul ou Japão.

O que está claro sobre o ataque é que Trump confia e age baseado em seus próprios instintos.

"Sou uma pessoa muito instintiva, e meu instinto costuma estar correto", comentou recentemente.

Entretanto, Sabato disse que "só há um problema" com este enfoque.

"É um ser humano e seus instintos são tão imperfeitos como os de qualquer outro", declarou.

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