Conflito

Governo da Colômbia e Farc assinam acordo definitivo de paz

Maria Luisa Ferro
Maria Luisa Ferro
Publicado em 24/11/2016 às 6:44
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Manifestações contra e a favor do acordo marcaram as negociações entre o governo da Colômbia e as Farc / Foto: AFP

Manifestações contra e a favor do acordo marcaram as negociações entre o governo da Colômbia e as Farc Foto: AFP

O governo da Colômbia e a guerrilha das Farc assinarão nesta quinta-feira (24), em um teatro de Bogotá, o acordo definitivo de paz para acabar com meio século de confrontos e que foi renegociado para incluir propostas da oposição. O tamanho do pequeno e clássico Teatro Colón, recentemente reformado e com capacidade para 800 pessoas, marcará o tom discreto da cerimônia em que o acordo será assinado pelo presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc, Rodrigo Londoño ("Timochenko").

Nada a ver com a assinatura do acordo original, que aconteceu em 26 de setembro na cidade caribenha de Cartagena, na presença de 2.500 convidados, entre eles 15 chefes de Estado. A cerimônia, no entanto, será exibida através de telões na praça Bolívar, para que o público possa acompanhar o ato.

A escolha de um espaço menor foi alvo de críticas por parte das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia(Farc). O comandante guerrilheiro Marcos Calarcá, membro da delegação de paz que negociou or quatro anos com o governo colombiano em Cuba, afirma que o espaço é limitado e muitas pessoas mais mereciam estar presentes na cerimônia.

O ex-presidente da Colômbia e atual senador Álvaro Uribe, por sua vez, é contrário ao acordo e pediu para se reunir com as Farc e fazer novas alterações no pacto para que, por exemplo, que não se permita a elegibilidade política de responsáveis por crimes atrozes enquanto cumprem suas penas e que o acordo não seja incluído na Constituição. "Deve-se recorrer ao referendo popular, bem seja de todo o acordo, ou pelo menos desses temas sensíveis sobre os quais não há acordo", declarou ele, no Senado.

Lamentando que setores "radicais" da oposição rejeitem a novo proposta, Santos garantiu, por sua vez, que "a porta está aberta" para um diálogo com os críticos, fazendo um apelo para que cheguem a um consenso "sobre a implementação do acordo". As Farc praticamente descartaram a reunião com Uribe por considerar que o ex-presidente quer "adiar" a paz.

Para o diretor do centro de análises de conflito Cerac, o analista Jorge Restrepo, está "claro que seria melhor ter um acordo de consenso, mas isso é quase impossível de conseguir com o que o Centro Democrático (partido de Uribe) está pedindo às Farc, que é que não se elejam politicamente". Na quarta (23), os negociadores do governo se reuniram com os porta-vozes dos partidos favoráveis ao acordo para definir os passos a seguir para referendar o texto, assim como as primeiras leis que serão apresentadas para implementar o acordo. Entre elas, está a da anistia para os guerrilheiros que não estão acusados de terem cometido crimes atrozes.

Quais as chances de sucesso do novo acordo?

Para especialistas, como a cientista política Angelika Rettberg, o novo pacto tem maior chance de ser implementado porque efetivamente incluiu "mudanças importantes" e considerou as "preocupações de amplos setores sociais", o que o deixou "fortalecido". "Este acordo tem futuro porque o governo conta com maiorias no Congresso para conseguir sua aprovação (...) Haverá críticas, mas não as suficientes para não poder implementá-lo", disse à AFP Rettberg, da Universidade de Los Andes, ao destacar que não vê "o mesmo potencial de beligerância na oposição" para detê-lo.

O também cientista político Marc Chernick, das universidades de Georgetown (Washington) e Los Andes (Bogotá), mostrou-se otimista: "Fizeram as negociações com rapidez e firmeza. Sempre vai haver setores recalcitrantes que não vão estar de acordo, mas tem futuro e pode prosperar", assegurou.

Como será referendado e como será garantido seu cumprimento?

O acordo original devia ser referendado mediante uma consulta popular, um mecanismo previamente aprovado pela Corte Constitucional. Mas, com o fracasso do referendo de 2 de outubro, o tema da consulta popular se tornou um dos mais complexos: o novo acordo nem mesmo o definiu, e deixou em aberto um amplo leque de possibilidades, que vão de outro referendo a uma consulta ou reunião pública de conselhos ou juntas locais (um instrumento denominado "cabildo abierto"), passando por sua aprovação no Congresso, assembleias departamentais (estaduais) ou conselhos municipais (câmaras de vereadores).

Uma vez referendado, o texto original devia ser anexado à Constituição. Agora só será incorporado um artigo transitório, vigente por três mandatos presidenciais (12 anos), que destaca que "as instituições e autoridades do Estado têm a obrigação de cumprir de boa fé o estabelecido".

Que mudanças foram acordadas na Justiça?

O primeiro acordo propunha um sistema de Justiça transitório, conhecido como Jurisdição Especial para a Paz, encarregado de julgar os delitos ocorridos durante o conflito armado, com penas alternativas à prisão, mas cujo alcance no tempo não foi bem delimitado. No novo texto, estabelece-se um período de dez anos para apresentar acusações que, mediante prorrogações, poderia chegar a 15 anos.

Outra novidade: o governo apresentará ao Congresso um projeto de Lei de Anistias, Indultos e Tratamentos penais especiais, que incluirá uma seção especial com tratamentos diferenciados para militares e policiais, um tema exigido pela oposição. Quanto aos guerrilheiros, esclareceu-se um ponto que também gerava críticas: crimes como o tráfico de drogas só serão aceitos como crimes conexos aos delitos políticos - e, portanto, passíveis de ser anistiados - caso "não tenham derivado em enriquecimento pessoal".

A Justiça especial determinará também as zonas onde os condenados cumprirão suas penas alternativas e criará um mecanismo para verificar seu cumprimento. Esclareceu-se, ainda, que os promotores serão colombianos e que juristas estrangeiros só poderão prestar assessoria.

Quais novos compromissos as Farc aceitaram?

A guerrilha aceitou fazer um inventário de seus bens, que servirão para reparar as vítimas, e entregará uma lista de todos os seus membros, inclusive integrantes das milícias. Os membros das Farc que tiverem tido relação com "qualquer elo da cadeia" da produção de drogas deverão entregar um relatório de suas ações e de todos os dados que servirem para "atribuir responsabilidades".

Dos 57 temas em renegociação, só o da participação dos insurgentes foi mantido inalterado, embora líderes opositores se opusessem a que os chefes guerrilheiros tivessem a possibilidade de se apresentar a cargos eletivos. O governo mantém o compromisso de garantir, temporariamente, um mínimo de dez assentos no Congresso ao partido das Farc a partir de 2018.

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