Aulas acontecem dentro da Penitenciária Feminina de Abreu e Lima Foto: Rhema Prisional/Cortesia
“Para Deus, vocês já estão libertas.” É com frases como essa, proferidas por uma professora de educação religiosa, que internas da Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife, aprendem sobre religião, Deus e fé enquanto esperam o tempo passar, cada uma com seus anos de reclusão. Na contramão da severa crise que o sistema carcerário brasileiro enfrenta, com diversas rebeliões e mortes, projetos sociais como o Rhema Prisional são uma luz de esperança e enfrentamento às péssimas condições que milhões de presos possuem. A lógica é simples: melhorando a qualidade de vida dentro dos presídios, as chances de uma ressocialização são muito maiores.
“Eu tenho muito cuidado em tudo o que faço, para que elas sempre se sintam amadas e preciosas”, afirma Fátima Sampaio, professora voluntária do Rhema há três anos. O projeto, que nasceu nos Estados Unidos e está ligado no Brasil à igreja evangélica Verbo da Vida, é centro de treinamento bíblico com atuação em vários lugares do País. Na penitenciária, funciona desde o fim de 2015.
“O Rhema oferece aulas religiosas, com 23 matérias, ações de aprendizado intelectual, gincanas de leitura, palestras motivacionais, exibição de filmes, ações sociais em parcerias com profissionais que cuidam da autoestima e estimulam cuidados com a saúde corporal. Nós também damos kit de higiene pessoal uma vez por mês e oferecemos lanche em todas as aulas. Nosso trabalho é 100% voluntário e sustentado por nós mesmos e alguns poucos mantenedores”, explica Marília Gonçalves, diretora do projeto na penitenciária.
Por ser um trabalho voluntário, o Rhema ainda não consegue atender todas as internas da unidade, que conta com aproximadamente 500 presas atualmente. “Recebemos muitas cartas das presas querendo participar do curso”, conta Marília, ao exibir um varal com algumas cartinhas cheias de pedidos das detentas.
Quem consegue entrar - depois de uma seleção que consiste em fazer um cadastro assistir a quatro aulas experimentais - realiza um curso dividido em duas etapas: são 15 meses corridos, com direito à entrega de certificado, relativo a cada módulo. Ao fim de cada turma, uma celebração acontece.
A transformação que acontece de dentro para fora
Luciana Matos foi presa por tráfico e espera continuar com trabalho religioso quando sair da prisãoFoto: Priscila Miranda/NE10
Revolta, incapacidade e sensação de abandono costumam ser os sentimentos de muitas presas antes do começo do curso religioso. O esforço para entender que aquilo poderá ser temporário as ajuda a não piorar a situação existente dentro da cadeia. "Depois que as aulas começaram, diminuiu bastante o número de rebeliões aqui dentro. Elas eram mais exaltadas e passaram a ficar mais flexíveis, a obedecer. Isso ajuda no poder de ressocializar", acredita o agente penitenciário Josemir Barros, conhecido como Madeira pelas detentas e funcionários da penitenciária.
Um desses exemplos de mudança nítida é Luciana Matos, de 34 anos. Presa e condenada por tráfico de drogas, ela já está presa há 5 anos. Por quebrar a condicional, ela ainda tem mais 6 anos de reclusão. "Eu era muito revoltada. Mas depois que eu percebi que nós não somos só corpo, carne, mas que uma alma habita em mim, tudo mudou", diz.
Outra interna que se sente muito bem fazendo o curso religioso é Sara Lais, 25 anos. Presa aos 21 dentro da faculdade em que cursava educação física,ela se arrepende muito de ter praticado, junto com o então namorado, um homicídio em 2009. "Eu era muito nova, imatura, e andava com pessoas erradas. Estou sentenciada a 15 anos e ainda tenho mais 6 anos no regime fechado", comenta. [Veja o depoimento dela no vídeo abaixo].
A transformação ajuda as detentas a seguirem seus caminhos para a liberdade com mais consciência. Monica Carvalho, também de 25 anos, saiu da cadeia em novembro do ano passado. A sentença de 5 anos por tráfico de drogas foi amenizada no último ano com a participação no curso. "Eu era uma pessoa agressiva, vivia brigando com todo mundo e passei a ser mais compreensiva com as autoridades dentro da prisão. A mudança foi grande", explica a jovem, que hoje mora com a mãe em Ponte dos Carvalhos, no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Os planos dela agora incluem continuar o curso bíblico na igreja Verbo da Vida e investir no trabalho de costura e artesanato. "Estou esperando sair o pecúlio, que é o dinheiro que está guardado, para investir naquilo que aprendi de bom na prisão", finaliza.