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Feministas utilizam a internet na luta diária contra o machismo

Paulo Floro
Paulo Floro
Publicado em 26/10/2015 às 16:51
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Intervenção urbana no Recife através de lambe-lambes chama atenção contra a violência / Foto: reprodução

Intervenção urbana no Recife através de lambe-lambes chama atenção contra a violência Foto: reprodução

"Ser mulher é sair de casa preparada para uma guerra diária. Acabo de passar por mais uma situação altamente nojenta. (...) No final da Av. Conde da Boa Vista cruzo por um homem que me olha (me come!) da cabeça aos pés e diz com todo gosto: "aí é gata viu!" E, instintivamente respondi em alto e bom som: 'vá se lascar!'.(...) Foi uma sensação horrível. Não é a primeira vez que passo por isso e infelizmente não será a ultima vez. Mas enquanto tiver voz e força pra lutar estarei ativa para combater o machismo". O trecho acima aconteceu no Centro do Recife e faz parte do depoimento de uma mulher no site Chega de Fiu Fiu, plataforma que usa a geolocalização para relatar casos de agressões verbais e outras violências praticadas por homens.

O site, criado pelo coletivo Think Olga, é apenas um dos vários mecanismos existentes na internet que promovem o protagonismo feminino pelo fim da violência contra a mulher. É parte de um movimento impulsionado pelas redes sociais que fez aumentar as articulações no enfrentamento do machismo. O site permite que mulheres marquem locais onde sofreram agressões. "Ninguém deveria ter medo de caminhar pelas ruas simplesmente por ser mulher", diz o coletivo. Segundo uma pesquisa revelada pelo projeto, 99,6% das mulheres afirmaram que já foram assediadas, um número incrivelmente alto que chama atenção para um problema cotidiano na vida de muitas mulheres e que é invisível para muita gente.

O ThinkOlga também foi o responsável pela hashtag #PrimeiroAssédio, que chegou aos Trending Topics brasileiros do Twitter na semana passada. Nele mulheres relatavam casos de assédios e estupro e teve como mote comentários de pedófilos para a participante Valentina, do Master Chef Jr., de apenas 12 anos. Foram mais de 82 mil tuítes durante a campanha. Uma análise inicial do relatos de 3.111 posts revelaram que a média de idade do assédio é de 9,7 anos.

"Enquanto mulheres, NÃO temos o controle da nossa vida sexual. Somos iniciadas nessa área tão delicada por meio de um ritual bárbaro e sádico – e grande parte dos crimes (65%) são cometidos por conhecidos". A equipe promete uma análise completa a partir de todas as publicações para breve. "Desde a infância, somos ensinadas que o espaço público não nos pertence. E se tentarmos retomá-lo, seremos retaliadas", disse o coletivo no Twitter.

DEIXA ELA EM PAZ - No Recife, uma outra campanha também chama atenção contra a violência e se insurge pela apropriação dos espaços públicos. Você já deve ter visto ao passear pela cidade: em letras garrafais e enormes um cartaz grita "Deixa ela em Paz". A intervenção urbana através de lambe-lambes chama atenção contra a violência e já está presente no Recife, Caruaru e Rio de Janeiro. "Nosso objetivo era justamente chamar a atenção para esse problema e fazer um apelo crítico, demandando paz, mas também evidenciando o problema, e nos impondo contra ele. É um pedido, através de uma intervenção no espaço, um ato de resistência", disse ao NE10 uma das integrantes do coletivo que preferiu assinar enquanto grupo.

"A gente foi positivamente surpreendida com o resultado da campanha tanto nas redes sociais quanto na mídia. A repercussão foi grande e criou uma rede de mulheres interessadas em participar. E isso só reflete a quantidade de pessoas que, lamentavelmente, se identifica no dia a dia com essa realidade de abuso, intolerância e violência", disse. O projeto disponibilizou o cartaz para quem quiser espalhar a mensagem voluntariamente. Já existem ações previstas para Vitória do Espírito Santo, Olinda, São Paulo, Brasília e até Paris.

É chegada a hora! <3 Estamos disponibilizando a arte do nosso lambe-lambe para todxs que queiram espalhar o...

Posted by Deixa ela em paz on viernes, 9 de octubre de 2015

Outra iniciativa daqui de Pernambuco é o Rochedas, uma campanha voltadas para jovens vítimas de violência sexual. O principal diferencial do projeto é colocar as meninas como protagonistas da própria história. "A nossa ideia foi dar voz a elas para que contem sua história e inspirem outras jovens. O Rochedas foi o produto de um projeto da ONG Etapas que durou três anos e envolveu as comunidades de Passarinho e Ibura, no Recife e Charnequinha, no Cabo de Santo Agostinho", disse Daiane Dultra, assistente de projetos da ActionAid. No cartaz, as meninas dizem "eu sou dona do meu corpo".

Foto: reprodução

ARTICULAÇÃO E LUTA - Nos últimos anos tem crescido o número de coletivos feministas que ajudam a conscientizar para o problema da violência de gênero, como a revista Capitolina, para adolescentes e o blog Lugar de Mulher. Criada este ano, a revista online AzMina, da jornalista Nana Queiroz, aborda temas de interesse feminino a partir de uma nova abordagem.

Criada através de financiamento coletivo, a publicação está comprometida com o empoderamento delas. "Não temos rabo preso com anunciantes. A eles interessam mulheres inseguras, que compram mais produtos de beleza, fazem mais plástica e compram mais roupas", explica Nana, que é criadora do movimento #eunãomereçoserestuprada e autora do livro "Presos que menstruam". "Na nossa revista as mulheres é quem pagam a conta e por isso nosso comprometimento é 100% com elas".

A revista está disponível online e tem acesso gratuita. Ela é resultado de uma maior mobilização online das mulheres em busca de novas vozes de representação além da imprensa tradicional. "As redes sociais se transformaram em uma grande arma para o feminismo pois as mulheres puderam se sentir enquanto coletivo", diz Nana.

"A internet democratizou o feminismo pois fez com que ele chegasse a qualquer mulher com uma conexão de dados, até mesmo num posto de acesso comunitário, Isso tem se refletido em um avanço muito rápido na conscientização tanto de adolescentes quanto de mulheres mais velhas. Nos últimos anos esse tema cresceu até chegar na redação do Enem e no maior alcance das políticas públicas. Isso, a meu ver, se deu graças a uma maior mobilização das mulheres na web."



CAMPANHA
- Com a hastag #ElasNãoSeCalam, o portal NE10 abre espaço para que as mulheres compartilhem suas histórias de violência sofrida e, principalmente, de iniciativas de combate. Participe e ajude a gente a deixar o tema desta reportagem vivo a atuante. Como deve ser.

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