Entrevista

Diretor Marco Dutra fala sobre inventivo filme "O Silêncio do Céu"

Especial para o NE10
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Publicado em 01/02/2017 às 13:57
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O Silêncio do Céu é uma adaptação do romance homônimo escrito pelo argentino Sergio Bizzio / Foto: Divulgação / O Silêncio do Céu

O Silêncio do Céu é uma adaptação do romance homônimo escrito pelo argentino Sergio Bizzio Foto: Divulgação / O Silêncio do Céu

Um estupro é o ponto de partida de “O Silêncio do Céu” (Era el Cielo, 2016). Diana (Carolina Dieckmann) é violentada por dois desconhecidos e resolve omitir o episódio. O que ela não sabe é que o marido, Mario (Leonardo Sbaraglia), presenciou toda a cena. Curiosamente, cada um, a sua maneira, age sobre a história. Jamais falam entre si sobre o assunto que deixa marcas profundas na vida dos dois.

Adaptação do romance homônimo escrito pelo argentino Sergio Bizzio, o filme chama atenção pela forma inventiva e cuidadosa com que o diretor paulista Marco Dutra roda cada plano. O estupro é visto por duas perspectivas. Primeiro, de acordo com a visão da mulher e depois seguindo a perspectiva do homem. Toda a trama é ambientada em Montevidéu, com a maioria dos diálogos em espanhol. Tudo se mantém sempre interessante, trazendo surpresas para quem assiste.

Em agosto de 2016, “O Silêncio do Céu” disputou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado. Recebeu três Kikitos, incluindo o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio da Crítica. É o ponto alto da carreira de um cineasta que sempre demonstrou estar no caminho certo. Antes deste filme, Dutra realizou trabalhos como “Quando Eu era Vivo” e “Trabalhar Cansa”, este feito com a parceira de longa data, Juliana Rojas, tendo despertado o interesse da crítica na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes, em 2011.

Com “O Silêncio do Céu”, Marco Dutra enfrentou dificuldades de distribuição, assim como muitas das produções autorais lançadas no Brasil. Mesmo tendo o suporte da Vitrine Filmes, uma “guardiã” de filmes independentes no País, o longa só foi exibido em 17 salas de cinema quando foi lançado.

Agora, o filme tem nova chance de ser visto não só pelos brasileiros, mas também pelos mais de 90 milhões de assinantes da Netflix, já que está disponível no catálogo da famosa empresa de Vídeo sob Demanda (VOD) desde o último dia 25. Nesta entrevista exclusiva, Marco Dutra fala sobre diversos assuntos que envolvem este projeto.

Quando e como ocorreu a decisão de adaptar a novela "Era el Cielo" para o cinema?

Marco Dutra: Rodrigo Teixeira me mandou o roteiro sem dizer do que se tratava. Ele queria que eu lesse e depois marcaríamos uma conversa. Isso foi em maio de 2014. O roteiro me impactou de imediato. Entendi rapidamente o motivo pelo qual Rodrigo pensara em mim: a narrativa central tratava de um casal de classe me?dia lidando com uma grande viole?ncia e com um sile?ncio sombrio e perturbador dentro do ambiente familiar. Fiz comenta?rios sobre o roteiro e, pouco tempo depois, Luci?a Puenzo e Sergio Bizzio estavam preparando um novo tratamento, que viria a ser trabalhado meses depois tambe?m por meu parceiro Caetano Gotardo.

Claro que se trata de uma obra originalmente hispânica, mas você tinha a opção de trazer tudo para o português e para a realidade do Brasil. Por que a escolha de rodar no Uruguai?

Marco Dutra: Me excitava a ideia de trabalhar em terra estrangeira um tema que ja? havia abordado em Sa?o Paulo, que e? minha cidade natal e onde realizei todos os meus filmes anteriores. Uma casa (e um corpo) de classe me?dia, um ambiente de suposta seguranc?a, vi?tima de uma ruptura logo na primeira cena. A história poderia se passar em diversas cidades do mundo, em especial da América Latina. Consideramos adaptar para São Paulo, mas vimos que algo se perderia se eliminássemos o espanhol do filme - a língua em que ele fora originalmente escrito.

Quanto à temática, "O Silêncio do Céu" acaba se aproximando de “Elle”, mas nunca o casal chega a conversar sobre o assunto. Gostaria que você comentasse isso.

Marco Dutra: Gosto bastante de “Elle”, mas só fui conhecer o projeto e o filme do Paul Verhoeven bem depois de realizar “O Silêncio do Céu”. Acho que são filmes bem diferentes, com personagens femininas bastante distintas em suas reações à violência. A ideia da não comunicação como violência era o que me interessava muito no roteiro do Cielo.

No trabalho anterior, "Quando eu era vivo", você contou com um orçamento curto. Em "O Silêncio do Céu", notamos que há uma estrutura maior, locações externas. Os planos também são bem compostos. 

Marco Dutra: São filmes de estruturas muito diferentes, mas feitos com a mesma energia e dedicação. Tendo mais tempo para rodar Cielo (quatro, cinco semanas, contra três de "Quando eu era vivo"), pude trabalhar mais intensamente com o diretor de fotografia Pedro Luque e com a diretora de arte Mariana Urriza nas cores e formas do filme, assim como na expressividade das locações. Foi um processo essencial para este filme, e muito gratificante para nós três.

Um filme de tamanho apuro visual e qualidade artística como este merecia ser bem visto no Brasil ou até mesmo no Uruguai. Foi uma obra que não teve tanto alcance junto ao espectador nacional, dificuldade semelhante de vários produtos autorais. A chegada à Netflix e a expansão de filmes brasileiros em VOD são formas de driblar essa dificuldade de distribuição?

Marco Dutra: Certamente. Fiquei feliz com a circulação do filme em festivais: Tóquio, Havana, Mar del Plata, Huelva, Gramado... E também com a exibição em cinema no Brasil e no Uruguai. Mas o lançamento numa plataforma mundial como a Netflix deixa o filme muito acessível ao redor do planeta e isso é fenomenal. Tenho recebido diversas mensagens do mundo todo de gente que vê o filme na Netflix.

Existe alguma expectativa de que o filme possa representar o Uruguai ou até mesmo o Brasil na luta por uma vaga no Oscar do ano que vem?

Marco Dutra: A escolha do filme que vai representar o país é feita por um comitê específico, e há muitos filmes bons esse ano por aqui. Muito difícil prever o que vai acontecer.

Por fim, se possível, comente as escolhas dos atores centrais, Leonardo Sbaraglia e Carolina Dieckmann.

Marco Dutra: Sou muito grato ao elenco, que compreendeu ideias que podem soar extremamente conceituais a princípio. Dependi deles todos para transforma?-las em ideias dramáticas. Leonardo estava trabalhando com a RT na série “O Hipnotizador” e o conheci num jantar para falar sobre o filme. Ele se envolveu imediatamente. Carolina foi o primeiro nome que o produtor Rodrigo Teixeira pensou para o papel, e também nos conectamos completamente após nosso primeiro encontro.

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