Daqui de onde escrevo não vejo mais a casa do mesmo jeito. Ou melhor, ainda a vejo como um lar que me faz feliz, mas a casa já não é a mesma porque começou a ser desmontada.
Começamos a vender quase tudo que temos quando decidimos nos mudar do Recife. A mesa que ficava na varanda e serviu de suporte a tantos encontros festivos e felizes se foi.
As mesas de cabeceira que ficavam ao lado da cama e que tanto nos custaram comprar foram uns dos primeiros itens a serem vendidos. O microondas, presente de dois queridos padrinhos de casamento, não chegou nem a ser anunciado porque apareceu comprador antes.
O desapego, essa palavra bonita que nada mais é do que a necessidade de levantar dinheiro, nos levou a vender itens úteis para o dia a dia doméstico ou afetivos e formou uma lista variada que incluiu de aspirador de pó a livros e taças de vinho.
Até viajarmos, ficaremos com o sofá, a TV, a mesa de jantar, a máquina de lavar, a geladeira, etc, mas eles têm os dias contados e também já passam por mudanças.
A geladeira, para pegar uma carona em uma propaganda antiga, era mais do que uma Brastemp. Repleta de ímãs coloridos e diferentes, ela era um mapa dos lugares por onde passamos. Os ímãs foram guardados para seguir com a gente em alguma mala e a geladeira, embora continue sendo uma Brastemp, agora é apenas um eletrodoméstico grande e metálico que fica numa área da cozinha.
As deliberações são quase diárias sobre o que vai, o que fica (para ser guardado até nossa volta), o que será vendido e o que será doado. Esse processo de desapego não é de todo ruim porque nos desfizemos de itens que nunca usamos ou que usamos muito pouco e percebemos que dá para viver com muito menos.
Ainda assim, há objetos inegociáveis.
Um porta vinhos de madeira entrou e saiu da lista das vendas (poderíamos fazer um bom dinheiro com ele) até que resolvemos, de uma vez por todas, levá-lo conosco na mala e encher o nosso futuro lar com uma lembrança afetiva da casa atual.
Um pequeno jarro de plantas com um desenho de Frida Kahlo que Vanessa ganhou de presente de aniversário este ano: vai. Ele viajará conosco para que possamos ter um pouco de verde em casa, mas desconfio que a figura de Frida fez com que o jarrinho ganhasse pontos na lista pessoal de Vanessa.
[embora às vezes ache a figura de Frida tão banalizada quanto a de Che, sorte a minha que terei duas mulheres fortes dentro de casa, uma simbólica e outra que poderei abraçar sempre].
Um quadro que trouxemos da Argentina, onde passamos a lua de mel, também está fora da lista de vendas. Mas ele ficará guardado à espera do nosso retorno junto a álbuns de fotografia, cartas, bilhetes, cartões de natal e outros objetos que de vez em quando a gente tira de caixas empoeiradas para nos ajudar a sacudir a poeira do coração.
Temos que resolver se vamos levar a rede ou não, mas essa é uma dúvida pequena diante de tantas outras e de algumas certezas que carregamos no peito. Sorte a nossa que persistência, otimismo e esperança não geram excesso de bagagem.
LEIA MAIS:
O jarrinho de Frida vai com a gente nessa viagem de persistência, otimismo e esperança Foto: arquivo pessoal