Só a vida, não basta!

Cabe a gente dar espaço para o melhor de nós nascer

Por Diego Garcez
Por Diego Garcez
Publicado em 08/02/2018 às 15:35
Leitura:

Uma parte da gente foi embora ontem para outra ressurgir amanhã / Foto: reprodução

Uma parte da gente foi embora ontem para outra ressurgir amanhã Foto: reprodução

A morte é algo que às vezes chega de mansinho, anunciada com um chuvisco que muda o cheiro da terra e só depois vem o temporal. Outras tantas vezes ela é uma enchente não premeditada e arromba sua porta levando tudo e deixando uma lama insolúvel. Vão dizer-lhe que o detergente do tempo ajuda a limpar a marca de lama na parede, mas não limpa, ele ajuda a entendermos que trata-se de uma nova pintura para a casa.

A morte é uma dessas coisas sobre a qual devíamos conversar com muito mais frequência. Dessas coisas essenciais e altamente prováveis que inexplicavelmente a escola deixa de fora da ementa.

Até porque morrer é bom, uma vez que viver é extraordinário e sem a morte não entenderíamos o conceito de vida. Inventaríamos qualquer outra coisa para colocar no lugar, mas definitivamente não seria a vida.

Aproveito esse texto para dizer como gostaria que os amigos e familiares tratassem minha morte, já que nunca me perguntaram e se eu tocar no assunto sem preâmbulo vão me jogar no hospício ou no check-up hospitalar. Por favor façam uma festa bacana, não precisa ser grande, mas prestem uma atenção especial às músicas e bebidas. Providenciem as melhores e divirtam-se! Minha existência por essas bandas, com base no sentimento de gratidão que carrego, pede isso.   

Estamos morrendo e vivendo a todo momento, em cada gesto, em cada gole, em cada ausência e presença. Uma parte da gente foi embora ontem para outra ressurgir amanhã, assim é a vida. Cabe a gente dar espaço para o melhor de nós nascer.

As melhores referências sempre nos acompanharão, não conseguiremos deixá-las morrer, nem se quiséssemos. São os alicerces da nossa existência enquanto estivermos aqui. Podem não estar mais à disposição de um toque, mas isso não é tudo. O sentimento que guardamos, a construção de momentos em conjunto, e de outro punhado de coisas, se desdobram em ondas e rastros inapagáveis. São essenciais para você e o mundo ser o que são hoje. Valem muito mais que qualquer tipo de matéria. Respire, agradeça e deixe ser. Não pese. O peso só faz doer os ombros e nada mais.

Quando eu morrer, por favor festejem!

A luz também depende da sombra para existir

A luz também depende da sombra para existirFoto: acervo pessoal

Para os que morrem velhos de idade, eu sempre pergunto aos familiares se houve muito sofrimento nos momentos finais. Se não houve, não entendo porque não celebraram com cachaça e alegria o rito de morte.

Já os que se foram cedo, a conversa é outra. É preciso dar espaço para a dor, assim como para o abraço e aceitação. O sofrimento estará presente, possivelmente até o fim dos dias conscientes. Ele nos terá moldado uma outra pessoa, uma nova pessoa. Perceba que ainda assim estamos falando de algum tipo de renascimento e para isso é preciso acolher a morte. A luz só existe porque a sombra também é real.

Peço que tratemos a morte com um pouco mais de sabedoria, dignidade e, porque não, leveza. Ela não se veste de capuz escuro e nem carrega uma foice, isso somos nós quem fazemos.

Peço que não tenhamos medo de conversar sobre esse fenômeno tão milagroso quanto o nascimento, pois nada amedronta mais do que o desconhecido. E se alguém lhe pedir o ouvido emprestado para falar da saudade de quem já se foi, simplesmente o empreste com compaixão genuína. Mais cedo ou mais tarde todos nós vamos precisar dessa escuta.

Mais lidas