A mulher e a lei

Violência doméstica: o que acontece com os filhos?

Por Gleide Ângelo
Por Gleide Ângelo
Publicado em 14/11/2016 às 7:12
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Em alguns casos, filhos tentam defender as mães, mas acabam acusados pelo crime. / Foto: Heudes Régis/JC Imagem

Em alguns casos, filhos tentam defender as mães, mas acabam acusados pelo crime. Foto: Heudes Régis/JC Imagem

Caros leitores,

No artigo desta segunda (14), falo sobre um assunto que ocorre com muita frequência nos lares em que a mulher é vítima de violência doméstica/familiar: a rejeição dos filhos ao companheiro da mãe. Que filho que quer ver a mãe sofrendo violência? Isso resulta em diversos conflitos familiares que, em muitos casos, terminam na delegacia. Nos plantões, já presenciei diversas ocorrências de agressões entre filhos e pais, enteados e padrastos. Conversando com os envolvidos, sempre escutei do filho: "ele foi bater na minha mãe, por isso parti para cima dele”.

Mas o que me chamava atenção nessas ocorrências era o posicionamento da mulher, que sempre sofreu violência, nunca denunciou e agora estava em uma delegacia tendo dois caminhos a seguir. O primeiro, que é assumir que o companheiro foi agredi-la e, por isso, o seu filho agiu em legítima defesa para protegê-la, ou o segundo, que é o de mentir para proteger o companheiro e deixar o filho responder criminalmente.

Decidir pelo primeiro caminho nos parece tão fácil porque, além de estar falando a verdade, ela estará protegendo o seu filho de pagar por um crime que não cometeu, já que ele agiu na defesa da mãe. Mas, infelizmente, não é uma das decisões mais fáceis para muitas mulheres que sofrem violência doméstica. A violência psicológica vai abalando o emocional aos poucos, fazendo com que a autoestima vá se destruindo e enfraquecendo a mulher. Por isso, ela não denuncia, sofre calada e não aceita que ninguém faça isso por ela, sequer os filhos.

Quando algum vizinho, familiar ou amigo denuncia, muitas mulheres ficam com raiva porque querem proteger o agressor, negando a agressão. É exatamente isso o que vemos em muitas delegacias quando os filhos agridem os pais ou padrastos para defender suas mães. A angústia da mulher por ter que fazer uma escolha é muito maior do que a dor das lesões no corpo.

Na hora de depor, há mulheres que negam a agressão e até dizem que os filhos nunca gostaram de seus companheiros. É por isso que muitos filhos adquirem sérios comprometimentos psicológicos e alguns se afastam dos lares por não aguentarem ver suas mães sofrendo os mais diversos tipos de agressões.

E o que acontece com eles?

A escritora Marie-France Hirigoyen escreveu o livro "A violência no casal: da coação psicológica à agressão física”. No capítulo sobre os filhos, é dito que eles estão mais arriscados a sofrer com a violência. De fato, 20 a 30% das crianças que vivem junto a casais violentos sofrem igualmente com as agressões físicas e os mais novos são os que ficam mais sujeitos a elas.

E ela continua: "o simples fato de estar exposto à violência acarreta alterações psíquicas importantes. Ser testemunha de violência é tão prejudicial, ou até mais, do que estar diretamente exposto a elas. Os pais avaliam erroneamente o impacto da violência, sobretudo para os menores, que não têm a possibilidade de se afastarem. Já se sabe que, particularmente, as crianças podem apresentar perturbações pós-traumáticas desde os dois anos, com sequelas cerebrais que podem ser bastante graves. Parece que após os seis ou sete anos as alterações são menores do que quando a criança tem menos de três anos", diz trecho do livro.

“Para uma criança, ser testemunha de violência conjugal é o mesmo que ter sido ela própria maltratada. A mãe pode cuidar para que seu filho não veja diretamente as violências, mas ele verá as marcas dos golpes e a infelicidade refletidas nos olhos dela", afirma a autora. Diante de tudo isso, o que posso dizer para você que é vítima de violência doméstica e ainda não denunciou o agressor, é que você está destruindo a sua vida e a dos seus filhos. Eles poderão crescer acreditando que a violência é algo normal e repetir a história. Se for menino, será violento com a companheira. Se for menina, vai achar normal ser agredida pelo companheiro. Também há o risco de os filhos não aguentarem ver a mãe sofrer tanto e tentar resolver agredir o pai ou padrasto a ponto de matá-lo.

Por isso, pense em você e nos seus filhos, lute para que vocês vivam em um lar saudável. O primeiro passo é se afastar do agressor e denunciá-lo à polícia. Crie seus filhos com amor, segurança e respeito. Assim, eles também saberão respeitar os companheiros deles. Não permita que nenhum agressor destrua a sua vida e comprometa a saúde mental dos seus filhos. O amor que você tem por você e por seus filhos será a mola propulsora para que você dê um basta em toda essa situação e transforme a sua vida e dos seus filhos. A palavra de hoje é 'basta'.

Você não está sozinha. Veja em quais órgãos procurar ajuda:

- Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008 / 3009 / 3010

- Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468.2485

- Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008

- Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107

- Central de Atendimento à Cidadã Pernambucana 0800.281.8187

- Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180

- Polícia - 190 (se a violência estiver acontecendo)

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