A maioria dos estudantes sonha em sair do terceiro ano com a matrícula feita na faculdade. E, seguindo a ordem natural da vida adulta, todo mundo quer concluir o ensino superior com um emprego na área para a qual buscou estudar. Agora, imagine que você consiga realizar todos esses desejos. Imaginou? Então pensa só: e a se a rotina profissional te mostrar que um sonho de anos não vai ser capaz de te realizar uma vida inteira?
A paraibana Cecília Lima, 27 anos, passou por isso. Em 2013, ela decidiu abandonar o jornalismo (sua primeira formação) e encarar o cursinho para tentar a concorrida medicina. Insatisfeita com o mercado e a rotina da profissão, assumiu o desafio de voltar a estudar química, biologia, física e demais disciplinas. O esforço foi válido e menos de dois anos depois ela trocava João Pessoa por Rio Grande - uma cidade no extremo sul gaúcho - para recomeçar a vida acadêmica longe de casa e dos amigos.
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O caminho não foi fácil. Graduada desde 2011 pela UFPB, Cecília já batia ponto numa redação de jornal um ano antes de se formar. Carteira assinada, profissional reconhecida entre seus pares, e com um currículo respeitado (até mesmo se considerarmos a pouca idade), com cerca de três anos de ofício a vida de repórter já não atendia mais suas aspirações.
Nesse mesmo período, Cecília, que sempre gostou de estudar, estava envolvida pelo universo da psicanálise. E esse foi o insight que a fez abrir os olhos para a carreira que passou a almejar. “Sempre me interessei por saúde mental e decidi que queria trabalhar com aquilo. A melhor forma que encontrei seria se fizesse isso através da medicina. A psicanálise me puxou para a área”, conta. Objetivo identificado, Cecília planejou muito bem o que fazer para conseguir a aprovação de forma rápida.
Poupar para investir
“Pesquisei preço de cursinho e de faculdade e coloquei no papel quanto dinheiro eu precisaria poupar”, relata. “Eu tinha um valor x para gastar com pré-vestibular e esse dinheiro só cobria as despesas por poucos meses. Eu tentaria ingresso em uma faculdade particular e só tinha dinheiro para fazer uma inscrição de vestibular, que seria naquela faculdade. Se eu perdesse a prova, não teria como me inscrever novamente”, relembra. Ela guardou ainda o valor que precisaria para a matrícula - seu objetivo era dar continuidade ao curso com o suporte do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
A princípio, o plano deu certo. Em seis meses estava aprovada e vinculada ao curso que pretendia, só que ela não conseguiu o apoio do Fies. Sem ter como dar continuidade à graduação, um mês depois precisou abandonar. “Em setembro, voltei para casa [a faculdade era em Campina Grande]. A prova do Enem seria no início de novembro e eu tinha pouquíssimo tempo para estudar. Estudei sozinha e não passei. Mas no ano seguinte, 2015, sabia que teria que tentar federal e comecei cedo a me preparar.”
Foi uma fase de muito comprometimento com a meta que tinha: não faltar aulas, responder muitos exercícios, tirar todas as dúvidas com os professores e ainda estudar em casa. Cecília também contou com o apoio de videoaulas para complementar os estudos e, apesar de ser jornalista (uma profissão que exige bom texto), precisou considerar a redação como uma disciplina que exigia tanto estudo e prática como qualquer outra das matérias.
Preparação para a redação
“O texto jornalístico é diferente de uma redação escolar. Tinha que estudar a fundo o que o Enem cobrava em cada uma das competências. Precisava praticar para entender como é que eu podia elaborar um texto que atendesse a todos os requisitos que eles julgam”, explica. “Eu treinei muito. Entre agosto e setembro de 2015, eu estabeleci uma meta de fazer uma redação por dia”.
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Para complementar essa preparação, Cecília era assinante de alguns sites que faziam correções de redação. Ela enviava os textos para eles e aprimorava a escrita a partir dos feedbacks que recebia. A tática deu certo. No Enem realizado em 2015, apenas 104 inscritos tiraram nota 1.000 na prova de redação, e ela estava entre eles.
Apoio familiar e nova casa
A grade curricular do curso de medicina da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) é anual. Para dar apoio ao pai, que teve um problema de saúde no ano passado, Cecília precisou se afastar da graduação depois que concluiu o primeiro semestre do curso. Assim, como instituições que adotam o regime anual não possibilitam que os alunos tranquem a matrícula antes do fim do ano curricular, ela reprovou o segundo semestre por falta e está “recomeçando” o curso pela terceira vez. “Não me arrependo. Eu fiz a escolha certa”.
Com tanto planejamento e dedicação, Cecília entendeu que essa etapa da vida poderia ainda ser mais enriquecedora para a formação pessoal e profissional dela se existissem novos cenários para essa história. Por isso, escolheu estudar na Furg, que fica bem distante de casa.
“Eu quis tentar algo novo, testar outros ambientes, e tive muito apoio da minha família nesse sentido. Meu pai foi um grande incentivador para eu ir embora, para eu conhecer outra realidade. A minha escolha pela Furg foi tanto pela qualidade e tradição do curso como por ter essa experiência de morar numa cidade que eu não conhecia. De fazer novos amigos, de me adaptar a uma cultura diferente. O objetivo era bem esse: recomeçar”.
1 - Você precisa ter em mente que dois ou três anos de sofrimento em um cursinho não são nada se comparado a uma vida inteira trabalhando em algo que não se gosta. As dificuldades de voltar a estudar depois de muitos anos se tornam um problema pequeno;
2 - Nunca é tarde para fazer essa troca. Esta deve ser uma troca bem pensada, bem planejada, não deve ser feita por impulso;
3 - A capacidade do ser humano de aprender é infinita. Quando você se dedica, seu cérebro é capaz de coisas que você nem imagina. A gente é capaz de aprender e de reaprender. Uma pessoa que tem 30 anos pode aprender um conteúdo de ensino médio até muito melhor que uma pessoa jovem, porque se de uma coisa eu tenho certeza, é de que a maturidade ajuda muito;
4 - A idade auxilia a ter mais paciência e a ter mais malandragem para resolver questões. Quando você é mais novo, é mais nervoso, é mais imediatista, e, por infantilidade, pode quebrar a cara resolvendo uma prova. Eu estou fazendo uma segunda graduação bem diferente da primeira, com bem mais maturidade, sabendo o que eu quero, buscando aproveitar ao máximo o que eu posso.”