Iniciativas para estimular desenvolvimento humano se multiplicam no Estado. O Sistema Jornal do Commercio de Comunicação está de olho na Atitude Cidadã e o JC abre espaço especial para divulgar as experiências. Confira as primeiras histórias
Verônica Almeida
De Cidades/JC
Sem esperar milagres nem a iniciativa governamental, pernambucanos estão buscando alternativas para superar a baixa oferta de emprego e adversidades próprias de quem reside na periferia do Grande Recife e tem dificuldade de acesso à educação e profissionalização. Reunidos em pequenos grupos, eles estão transformando habilidades individuais em trabalho coletivo que produz artesanato, confecções, atividades culturais, renda e mudança na qualidade de vida.
No Loteamento Santana, em Alberto Maia, Camaragibe, na Zona Oeste da região metropolitana, o resultado da iniciativa comunitária chama-se Brotando Arte. É o filho mais novo da Associação de Mulheres formada ali há quase 17 anos. Dezenove católicas, que participavam do Encontro de Irmãos na Capela de Santana, reuniram-se na época para lutar por mudanças na infra-estrutura do loteamento. Depois de pressionar os poderes públicos e melhorar o acesso, a distribuição de água e a iluminação das ruas, a mobilização dirigiu seu foco na ocupação para aumentar a renda familiar.
E a idéia foi aproveitar a habilidade que uma parte já tinha. A professora Maria Auxiliadora Lopes de Moura, presidente da associação nos primeiros anos, tinha aprendido nos tempos de estudante a fazer pinturas em tecido e dividiu isso com o grupo. Tapeçaria, confeitaria e outras coisas foram sendo incorporadas.
“Procuramos o Fundo Rotativo da Ação da Cidadania, fizemos um plano de negócios auxiliados por ele e pelo Centro Josué de Castro, fizemos um empréstimo e passamos a produzir e vender artesanato”, conta Maria Auxiliadora. Além dessa ação, o grupo oferece pré-escolar e dá aulas de pintura a 60 crianças e adolescentes de 8 a 17 anos, com a ajuda de uma empresa privada.
A iniciativa feminina gerou também a Associação Costurarte, que reúne cerca de dez mulheres dos morros próximos a Casa Amarela, Zona Norte do Recife e tem o apoio também do Fundo da Cidadania. Essa história começou em 1999 e ainda tem muitos capítulos pela frente. Zelândia Rodrigues, Maria das Graças e as outras sócias dividem hoje espaço com duas associações de costureiras (a de Casa Amarela e a Ponto a Ponto), num galpão da Prefeitura do Recife, no número 5.600 da Avenida Norte.
Segundo Zelândia, o grupo é formado por mulheres que já costuravam individualmente nas suas casas. Elas levaram suas máquinas para o novo endereço e conseguiram mais duas cedidas pela prefeitura, que já apoiava outros grupos existentes no local. “Nossa proposta não é só costurar, mas criar e vender diretamente ao cliente”, conta. A filha dela, Adejane, de 26 anos, está apostando tanto na Costurarte que faz graduação em moda, numa faculdade do Rio de Janeiro.
Por enquanto, o grupo atende pedidos pessoais, encomendas de grande volume e faz também o miudinho, o conserto de peças. Para Nélia Maria da Nóbrega, que reside em Nova Descoberta, a participação na Costurarte desenvolveu suas habilidades e garante o sustento da casa. “Tenho uma filha e meu marido está desempregado”, conta.
MÚSICA – No Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, a música é o fio condutor de 14 jovens e dois profissionais, um educador de música e uma psicóloga. Eles geraram o grupo Formação Especial. Manoel Santana, filho de uma família de sete irmãos nascidos em Lagoa de Itaenga, interior do Estado, e que na década de 80 se mudou para o Morro, foi um dos meninos da santa, apelido da garotada que ficava aos pés da imagem gigante de Nossa Senhora guardando carros e que foi alvo de trabalho social da paróquia. Na época ele tinha 10 anos e era analfabeto. O desejo de ler gibi o convenceu a se render à alfabetização que as paroquianas promoviam na área. Daí, passou à escola e depois a uma oficina de música, também oferecida em outro projeto social no bairro.
Depois de se tornar um educador musical, Manoel foi trabalhar com meninos e meninas portadores de limitações físicas no Centro de Reabilitação e Valorização da Criança (Cervac), ONG do bairro. Das aulas surgiu a banda Formação Especial, que toca vários gêneros musicais: reggae, samba, forró, ciranda, maracatu, baladas, coco e frevo. “Os meninos são músicos práticos”, diz o professor, que não ensina com partituras.
O grupo faz shows, apresentações em programas de TV e já gravou um CD. Um dos componentes, Rafael Brito, está tão entusiasmado que faz curso no Centro de Educação Musical de Olinda. Os outros companheiros também progridem no dia a dia, tocando mais de um instrumento. “Hoje eu me sinto um doutor, porque tenho participação ativa e participativa na sociedade”, diz Manoel, aos 35 anos. Para o sonho tornar-se completo, ele espera conquistar parceiros interessados em ajudar no transporte do grupo e em outras necessidades.
Na Ocupação Arruda, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a ajuda veio da vizinhança. Um artista plástico morador do bairro, na Zona Norte da capital, viu a carência das famílias e quis ajudar. Deu aulas de artesanato a um grupo de jovens e um desses rapazes, André Gomes, foi em frente. Produz sandálias, bolsas e pulseiras. “Se tivesse ajuda de material, poderia aumentar a produção e manter as aulas”, conta André. Adierson Cunha, coordenador da ocupação do Arruda, também trabalha com pintura e gostaria de ampliar a atividade entre as famílias.