Quem vê Marcelo - nome fictício para o jovem que prefere não ser identificado - hoje não acredita pelo que o rapaz de 29 anos passou no dia 2 de dezembro de 2012. Nesta data, o Náutico, seu time de coração, enfrentou o rival Sport pela última rodada do Campeonato Brasileiro. Naquele confronto, o time alvirrubro venceu o rubro-negro e decretou a queda do Leão para a segunda divisão do futebol nacional.
O dia era de festa para os tocedores do Timbu. No entanto, após a partida de futebol, Marcelo sentiu na pele a fúria da torcida organizada rival, a Jovem. O rapaz ficou entre a vida e a morte depois de se ver obrigado a pular de um ônibus em movimento, passando pela janela do coletivo. Perdeu cinco dentes, quebrou o queixo, teve ferimentos graves no rosto e escoriações em cerca de 40% do corpo.
Os integrantes dessas torcidas sentem satisfação quando fazem mal a alguém de outro time. Depois disso perdi a vontade de torcer para o meu time
"Pulei para tentar salvar minha vida. Ele [o agressor] disse que queria me matar. Eu ainda ofereci minha camisa, que é o que eles sempre querem, mas não foi o caso daquela vez", contou Marcelo com os olhos escuros vazios ao lembrar do momento de terror. Tudo começou na tarde daquele domingo (2 de dezembro): "Eu tinha bebido e resolvi não ir com meu carro ao estádio. Tenho algumas camisas do Náutico e nesse dia fui com a roupa da Fanáutico, mesmo não sendo integrante da torcida. Na volta passei por esse acidente."
Hoje, se recuperando dos vários ferimentos e ainda com cicatrizes pelo corpo, as mais profundas no rosto, Marcelo conta que sabia do risco que corria ao vestir as roupas da torcida organizada, mas acredita que teria sofrido agressões mesmo que estivesse com qualquer outra peça que o identificasse como torcedor alvirrubro.
Dois meses após o acidente, Marcelo ainda se recupera dos ferimentos
Fotos: Marília Banholzer/NE10
Marcelo disse que antes dos agressores subirem no ônibus em que estava, um grupo da Torcida Jovem apedrejou o coletivo. Com medo, ele e um amigo tentaram descer do veículo. Antes mesmo de conseguir escapar, um outro grupo tentou subir no coletivo pelas janelas quebradas, forçando a porta traseira. "Eu consegui empurrar os que tentaram subir pelas janelas, mas quando invadiram a porta da frente não teve mais jeito. Eu tive que pular. O pior é que eu tinha prometido à minha esposa que voltaria de táxi", lamenta.
O caso do alvirrubro ilustra a crescente violência entre torcidas organizadas. Mas, muito além do que confrontos entre grupos rivais, o torcedor comum sofre com as ações criminosas. É o caso do universitário Wesley Leonardo Melo, 27. No último domingo (17), ele estava no ônibus da linha Paulista/TI PE-15, seguindo para sua casa em Paulista, na Região Metrpolitana do Recife, quando o veículo foi apedrejado por cerca de dez jovens. Para Wesley, os autores do ataque seriam torcedores da Torcida Jovem. "Apesar de não tê-los visto com camisa da Jovem ou do Sport, eu acredito que sejam desse grupo, por saber que naquela área eles sempre fazem isso", contou.
Wesley foi ao jogo do Santa Cruz contra o Fortaleza, no Estádio do Arruda, Zona Norte do Recife. Neste dia, apenas o time tricolor jogava na cidade. Isso prova que a violência entre torcidas de futebol ultrapassa o encontro das mesmas nas ruas da Região Metropolitana da capital pernambucana.
É comum ver cenas em que torcedores das organizadas cometem infrações
Fotos: JC Imagem | Edição: Keziah Costa
E não precisa torcer para o time contrário para sofrer agressões. Há três anos, o administrador Pedro Henrique Costa Oliveira, 22, que torce para o Sport, foi esmurrado e roubado por torcedores da Torcida Jovem, a maior organizada rubro-negra. "Não deixei de ir aos jogos, mas agora eu nem chego perto dessas torcidas organizadas". "Eu acho que devia acabar [as organizadas]. É bom o que elas fazem dentro do estádio [alegria] mas é uma falta de respeito com os outros torcedores o que acontece fora de lá", desabafou o administrador.
FORA DO FOCO - Engana-se quem pensa que a violência entre torcidas organizadas acontece apenas em tempos de competições esportivas. Há um ano Jefferson Firmino da Silva, 19, foi espancado enquanto brincava numa prévia carnavalesca no bairro de Beberibe, Zona Norte do Recife. Familiares do rapaz detalham que antes de morrer Jefferson contou o que havia acontecido. "Ele fazia parte da Inferno Coral e disse que reconheceu um grupo da Torcida Jovem. Como ele estava com dois amigos preferiu ir embora. Ao vê-lo correr, a galera foi atrás dele no meio da multidão. Jefferson acabou caindo e foi espancado. Só pararam quando a polícia chegou", relatou a tia do jovem, a maquiadora Joane Silva.
Jefferson foi espancado após ser reconhecido como integrante da Inferno Coral
Fotos: arquivo pessoal e reprodução TV
O jovem chegou a dar uma entrevista à TV Jornal antes de ser hospitalizado. Um dia depois de dar entrada no hospital, sentiu uma forte dor na cabeça, quando foi diagnosticado um coágulo causado pelas pancadas. O jovem passou 15 dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) de um hospital da Região Metropolitana do Recife, mas acabou sofrendo morte cerebral.
IMPUNIDADE - No três primeiros casos de agressões contados nesta reportagem, nenhuma das vítimas procurou a polícia para denunciar o crime. Todos disseram que não acreditam numa punição para os agressores. Já com relação à morte do jovem Jefferson, a família destacou que prestou queixa mas até hoje os responsáveis pelo crime estão impunes. "Apenas uns três meninos foram apreendidos de um grupo de mais de 20 que estão envolvidos", disse a tia do jovem.
PALAVRA DO JUIZ - De acordo com o juiz Ailton Alfredo, coordenador geral dos Juizados Especiais de Pernambuco, é necessário denunciar esses casos. "Quanto mais cedo houver a denúncia, mais rápida será a punição para o criminoso". O juiz esclareceu ainda que em casos de agressões é preciso procurar qualquer delegacia de polícia, o Juizado do Torcedor, a Defensoria Pública ou até mesmo o Ministério Público, "Estamos interligados. Qualquer órgão que seja procurado, nós dos Juizados Especiais seremos avisados", explicou o juiz.
Wilson Damázio, Aguinaldo Fenelon e Ailton Alfredo em reunião sobre torcidas
Foto: Michele Souza/JC Imagem
Esse procedimento deve ser adotado até que a Secretaria de Defesa Social (SDS) anuncie o funcionamento da nova Delegacia de Crimes contra a Intolerância, que ficará responsável por esses casos. O início das atividades deve acontecer num prazo de 60 dias. Ainda segundo o juiz Ailton Alfredo, as pessoas não denunciam os crime, inclusive os relacionados à torcidas organizadas, por diversos motivos. "Não é só a descrença na Justiça. A maioria não quer ter esse 'trabalho' ou não quer ser colocado frente a frente com o criminoso."