A sala do engenheiro Amaro Lins, no Centro de Tecnologia (CTG) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), estava cheia de cupins. Ficou oito anos fechada, durante o período em que o professor exerceu o cargo de reitor. Amaro volta terça-feira às atividades de ensino e pesquisa, depois de passar o reitorado para o também engenheiro Anísio Brasileiro, eleito pela comunidade universitária para mandato de quatro anos. Para o futuro, o ainda reitor planeja realizar um pós-doutorado, mas depende do aval da família. Nesta entrevista para a repórter Margarida Azevedo, ele faz um balanço da sua gestão.
JC - Após oito anos à frente da UFPE, o senhor acha que fez na universidade o que havia planejado nas duas gestões?
AMARO LINS - A UFPE cresceu e se qualificou ao longo desses oito anos. A minha expectativa foi superada. Oito anos atrás a universidade brasileira passava por uma crise muita forte, com dramática redução de orçamento e uma grave deterioração do seu patrimônio. Havia também um enorme déficit de pessoal. Naquela época a universidade estava tentando sobreviver. Departamentos e centros acuados por falta de produção. Naquele momento, as propostas que tínhamos para a UFPE puderam ser realizadas. Além do nosso empenho, sempre fundamentado nas propostas de campanha, tivemos a capacidade de fazer uma grande articulação com os agentes externos à universidade, de modo particular com os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Contamos também com uma atenção especial do presidente Lula (Luís Inácio Lula da Silva). Ele fez isso com todas as universidades, mas na UFPE houve uma atenção particular dele, que abraçou a causa da instituição.
JC - Que metas sua gestão atingiu?
AMARO LINS - Pretendíamos interiorizar a UFPE e conseguimos. Era uma das propostas mais contundentes da nossa campanha. Muita gente dizia que seria impossível, pois na época não havia dinheiro nem para sustentar o câmpus do Recife. Outra ação foi a construção do restaurante universitário, que estava fechado há 12 anos. Nosso foco era ampliar os benefícios da UFPE para uma parcela maior da população, de modo particular os estudantes mais carentes. Também construímos, em parceria com a Prefeitura do Recife, uma creche para os servidores e alunos. Outra ação foi o atendimento à saúde do servidor.
JC - O senhor quer ser lembrado como o reitor da interiorização da UFPE?
AMARO LINS - Com certeza. A coisa mais importante foi a interiorização. Temos dois câmpus com a mesma qualidade do Recife: o de Vitória (Zona da Mata) e Caruaru (Agreste). Foi a quebra de um paradigma. A UFPE era uma universidade de referência, mas voltada para o litoral. Os nossos estudantes vinham do interior para cá. Muitos não conseguiam vir pelas condições mais básicas. A interiorização foi uma marca importantíssima e vale lembrar que não está concluída. Em Vitória, estamos esperando a liberação de um terreno doado pelo governo do Estado para construir um bloco de pesquisa, o restaurante universitário e a casa do estudante. Em Caruaru, recebemos também um terreno do Estado para ampliar as instalações.
JC - O prometido curso de medicina em Caruaru vai sair do papel?
AMARO LINS -– Sim, é provável que o vestibular aconteça no próximo ano, mas com início das atividades em 2013. Já recebemos R$ 5 milhões do Ministério da Educação para iniciar as obras do curso de medicina de Caruaru. Estamos na fase de elaboração do projeto executivo. O projeto todo vai custar R$ 15 milhões. Em janeiro ou fevereiro de 2012 o projeto estará pronto e poderá ser feita a licitação. Outros cursos deverão surgir, como gestão de saúde, em Vitória, e ciências contábeis, em Caruaru.
JC - O que é mais urgente hoje na UFPE? O que seu sucessor, professor Anísio Brasileiro, deve fazer imediatamente?
AMARO LINS - Atendimento de energia estável e com qualidade. A universidade ampliou em 50% o número de alunos e isso aumenta o consumo de energia. Já estamos recuperando a rede energética, mas é urgente melhorá-la. Temos laboratórios com equipamentos caros e a rede não pode cair. Outra ação urgente é melhorar a qualidade e a quantidade da água, oferecer uma água mais limpa. Está no projeto deste ano ampliar a rede hidráulica, mas já abrimos novos poços para aumentar a oferta de água. Outro desafio de Anísio será a gestão. São três câmpus, 23 novos cursos de graduação desde que assumi e 20 de pós-graduação. Não é um desafio simples. Anísio terá que inovar muito na gestão, o que ele já está fazendo. Montar uma estrutura compatível com essa nova realidade.
JC - Uma das queixas é que a universidade é muito burocrática....
AMARO LINS - Estamos falando de gestão publica. As pessoas esquecem que o reitor é auditado todos os anos pela Controladoria-Geral da União, pelo Tribunal de Contas. Se eu pagar uma passagem de um professor para um congresso sem que ele apresente um projeto, serei cobrado. Estou deixando a gestão com os quatro últimos anos de contas abertas no TCU. Isso significa que por tudo que se faz no câmpus é o reitor que responde. Quando assumi eram R$ 2 milhões que sobravam para investimento. Agora são R$ 30 milhões. Criei uma controladoria, foi uma das coisas mais acertadas que fiz. Também uma pró-reitoria de gestão administrativa, para realizar processos relativos à infraestrutura de material da universidade. Eu entendo que há uma burocracia tremenda. Concordo, é pesada, mas avançamos e Anísio terá que dar um salto ainda maior.
JC - Há críticas também em relação à infraestrutura da universidade.
AMARO LINS - Reconheço que nesse processo de expansão tivemos que avançar muito com a estrutura para abrigar os novos cursos. Com isso, a conservação de parte da universidade sofreu. É o caso do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH). Um prédio muito antigo, que tinha problemas graves. Fizemos um grande investimento. Só na fachada foram mais de R$ 2 milhões. Ainda há problemas de vazamento em sala de aula. Mas peguei o CFCH sem acesso a internet, fizemos o cabeamento, recuperamos as salas de aulas. A questão é que o nível de exigência da comunidade da UFPE cresceu muito e isso é natural. Já asseguramos com o MEC R$ 5 milhões para que a nova gestão cuide da recuperação de infraestrutura.
JC - O senhor enfrentou uma grande resistência com a implantação do Programa de Reestruturação e Expansão Universitária (Reuni), com alunos ocupando a reitoria e professores contrários ao programa. Qual a avaliação que faz?
AMARO LINS - Se não tivéssemos entrado no Reuni teríamos deixado de abrir milhares de vagas. Hoje, o maior dos opositores reconhece que foi um sucesso na UFPE. Sabíamos da responsabilidade naquele momento. Além de mais vagas e novos cursos, com o dinheiro do Reuni reformamos todas as bibliotecas, construímos prédios compartilhados, atualizamos mobiliário. Contratamos 400 professores e 600 servidores. A boa notícia é que está para ser votada no Congresso Nacional a criação de novas vagas para as universidades completarem as expansões e o Reuni.
JC - Diminuir a evasão na graduação era uma das metas do Reuni. Conseguiu?
AMARO LINS - Sim. No Centro de Tecnologia, por exemplo, havia uma das maiores taxas de evasão, em torno de 50%. Hoje é menor que 10%. Houve diminuição em todos os centros. A aprovação do jubilamento, por mais perverso que pareça, contribuiu para isso. Acho que um dos desafios de Anísio será consolidar a qualidade na graduação e na pós-graduação. Gostaria de terminar meu mandato com todos os cursos da pós com conceito 4 ou mais na Capes. Mas ainda há alguns fora desse nível.
JC - O senhor não realizou a reforma do estatuto, como prometeu na campanha. Por quê?
AMARO LINS - No momento que estávamos vivendo na universidade, com tanta efervecência, eu não poderia parar para discutir a reforma do estatuto. Mas fiz o levantamento das principais demandas. Incluímos a participação dos técnicos no Conselho Universitário. Diretores são eleitos por voto direto. Foram mudanças pontuais do estatuto. Não fizemos a ampla reforma, mas acho que isso não prejudicou a universidade. A Universidade Federal é hoje mais democrática e transparente.